Produtores lutam contra demarcação de terras indígenas

Audiência pública reuniu mais de 400 produtores rurais de 50 municípios da região norte para discutir o problema

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Cerca de 600 famílias de agricultores da região temem perder as terras utilizadas há várias décadas. O risco se deve a possibilidade de demarcação das áreas como terras indígenas em processos que estão sendo realizados pela Funai. Na manhã de hoje, mais de 400 agricultores participaram de uma audiência pública proposta pelo deputado federal Luis Carlos Heinze para discutir o problema. Em todo o Estado, os indígenas reivindicam 60 mil hectares, a maior parte deles no norte. Na região de Getúlio Vargas, Erebango e Erechim, são 350 propriedades rurais atingidas pela demarcação. Próximo a Mato Castelhano, Passo Fundo, Marau e Gentil estima-se que cerca de 300 famílias possam enfrentar problema parecido.

 Na região de Getúlio Vargas, a Terra Indígena do Mato Preto já está demarcada. Em Mato Castelhano, a apreensão dos agricultores é a de não saber que propriedades seriam incluídas na demarcação. O deputado Heinze é criador de uma comissão especial para fiscalização e controle dessas demarcações e também realiza uma série de oitivas para discutir o problema. De acordo com ele, embora a Funai prossiga os processos, não há definições para o que fazer com os índios após a entrega das terras, muito menos com os agricultores que forem retirados dessas áreas.

O parlamentar critica ainda a forma como são conduzidos os processos. “Se o governo quiser fazer um programa de assentamento dos índios não tem problema nenhum. Se quiser 100 mil hectares no Rio Grande do Sul pode criar um programa, mas que seja responsável. Qualquer cidadão de bem, se quiser comprar alguma coisa, faz um financiamento e compra. Nesse caso não. Aqui se toma a terra porque não precisa pagar. As autoridades não estão sendo responsáveis”, enfatizou.

Inconstitucionalidade
O presidente do Sindicato Rural de Passo Fundo João Batista da Silveira aponta o problema de os processos correrem em segredo de justiça.  “É muito difícil saber em que ponto está esse processo de levantamento. A Funai faz as coisas às escondidas.  Temos informações extraoficiais de que o levantamento de áreas estaria feito e realmente é uma coisa que nos preocupa”, observa com relação aos municípios próximos de Passo Fundo. Ele destaca ainda a o artigo 67 do Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal que define: a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição. O prazo se encerraria em 1993, de acordo com ele, o que caracterizaria a inconstitucionalidade de novas demarcações. Ele esclarece ainda que na região de Mato Castelhano cerca de 300 famílias podem ser atingidas caso haja essa demarcação.

Apreensão
O agricultor Paulo Lunelli de Mato Castelhano é um dos que está apreensivo com a situação. O sustento da família é todo tirado daquilo que é cultivado na propriedade de 28 hectares.  “Nasci na terra, meus pais nasceram e morreram ali há mais de 70 anos. Já estou com 60 anos e não tenho como recomeçar. Não tenho mais força”, lamenta sobre a possibilidade da desapropriação. Da mesma forma que ele, o produtor Nero Rodeghere, 58 anos, de Mato Castelhano, também teme a possibilidade de ficar sem a terra. “Tenho estudo de origem da minha terra comprada como título do governo estadual em 1833. Foram comprados 580 hectares que foram passados para vários produtores. Essa terra foi comprada e registrada. Se quem registra é dono, nós somos os donos”, argumenta. Na área de 65 hectares é retirado o sustento para oito pessoas por meio da produção de grãos e criação de frango.

História
O historiador Henrique Kujawa explica que no início do século XX o Estado promoveu a colonização de toda região norte. Neste mesmo período foram criadas reservas para abrigar os indígenas dessas regiões. Em 1960 as áreas foram diminuídas e agricultores foram assentados nesses locais. Mais tarde, já nos anos 1990 os índios recuperam as áreas demarcadas originalmente e hoje ocupam, na integra, as áreas marcadas no início do século XX. A partir de 2004 os índios, com apoio da Funai, passaram a reivindicar a ampliação das áreas. “Não está se discutindo apenas terra, mas a vida de um conjunto de agricultores que há mais de um século  sobrevivem na terra e têm suas raízes”, explica. Nos estudos realizados pelo historiador, ele encontrou cinco gerações de uma mesma família vivendo em uma única propriedade. “Acredito que se o estado não produzir uma saída pra isso o conflito social vai sair do campo da tensão e vai para um conflito de intensidade maior”, finaliza.

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