Baixa qualidade preocupa mercado interno

Excesso de chuvas prejudica qualidade do produto na reta final do desenvolvimento da cultura e preços tendem a despencar

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Com as chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul nas últimas semanas, a quebra da safra de trigo no Estado já é estimada em 10% -cerca de 250 mil toneladasCom as chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul nas últimas semanas, a quebra da safra de trigo no Estado já é estimada em 10% -cerca de 250 mil toneladas
Com as chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul nas últimas semanas, a quebra da safra de trigo no Estado já é estimada em 10% -cerca de 250 mil toneladas
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Na reta final do desenvolvimento de uma das principais culturas de inverno, o trigo, o excesso de chuva prejudicou a qualidade do grão que está sendo colhido. Além disso, já há uma quebra estimada em cerca de 10% que pode chegar a 30% caso se confirmem as previsões de chuva nas próximas semanas. Essas condições têm deixado os produtores e o mercado apreensivos quanto aos efeitos que isso terá na remuneração gerada pelo produto. O sócio-diretor da New Agro Commodities, Gean Kuhn, analisa as perspectivas e dá sugestões aos produtores para poderem ter uma melhor rentabilidade com a cultura.

As chuvas inevitavelmente causaram danos à cultura do trigo, qual a extensão desses danos?
Gean Kuhn - Com as chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul nas últimas semanas, a quebra da safra de trigo no Estado já é estimada em 10% -cerca de 250 mil toneladas. A perda só não foi maior pelo fato da maioria das lavouras de trigo não estar em ponto de corte. Este número não é tão significativo se levarmos em consideração as chuvas do mês de outubro que ultrapassaram os 300 milímetros. Neste início de novembro, tivemos algumas chuvas registradas nas regiões produtoras que estão praticamente prontas para colher, começando a entardecer e, com certeza, gerar problemas na questão de qualidade do grão. No entanto, se as previsões se confirmarem, a próxima semana deverá ter mais chuva e, como não temos logística suficiente para encerrarmos a colheita até essa data, as perdas podem chegar até 30% da safra, não em questão de volume de produção, mas sim de qualidade de produção. Hoje, menos de 30% das lavouras foram colhidas e o diferencial de qualidade observados nos primeiros grãos colhidos, em relação à produção colhida após as chuvas é enorme.

Do percentual colhido até o momento, o que se observa em relação à qualidade?
GK - Apesar do excesso de chuva registrado no decorrer do processo vegetativo do trigo com vendavais e granizo, percebe-se que a qualidade do grão, ainda não sofreu tantos danos. No decorrer da colheita, desde o início até agora, praticamente, todas as lavouras estão com PH acima dos 78 que é o mínimo exigido para panificação. Porém, outros dados do laudo de lavoura estão preocupando os produtores na hora de comercializar o grão, como a força do grão que deve ter um mínimo de 220 que até o momento não está tendo problemas. Falling Number que determina o nível de qualidade enzimática que se desenvolve no interior do grão deve ter um mínimo de 280 e está sendo afetado gradativamente a cada chuva que passa, com isso, vemos uma perda de qualidade significativa e que afeta diretamente no processo da panificação. Outro número, que talvez seja o mais importante, é a cor que determinado trigo irá gerar na farinha. O número ideal deve girar acima de 92,5, este ano, por questão do clima, estamos colhendo um trigo bastante escuro que não chega nem perto do exigido, por isso é que temos que buscar volumes de trigo de vizinhos do Mercosul, os quais, pelas características climática e geográfica, possuem o produto ideal para misturar com o trigo brasileiro e assim atingir o exigido pelo mercado.

Como isso deve interferir nos preços praticados e nas exportações do grão?
GK - O trigo brasileiro, aos olhos do resto do mundo, serve apenas para ração em virtude da qualidade já que não serve para panificação. Além disso, tendo em vista que os Estados Unidos estão colhendo sua maior safra de milho da história, com cerca de 383 milhões de toneladas, o qual sustenta grande parte do mundo quando falado em ração, este ano, praticamente não ocorrerá exportação de trigo brasileiro. Como não exportaremos trigo, não teremos um balizador que garanta sustentabilidade do preço. O cereal fica todo no mercado interno onde o real balizador deveria ser o governo, que poderia garantir o preço mínimo do trigo que é de R$ 38,65 por saca de 60 kg. A única maneira de garantir este preço seria entrando no mercado através dos leilões da CONAB. No entanto, como estamos numa crise financeira e a União não possui dinheiro nem para garantir as necessidades básicas da população, esta questão fica em segundo plano, levando o trigo a uma queda livre nos preços onde a oferta e a demanda ditam as regras de preço.
Hoje, diversas cooperativas e cerealistas não possuem preço para compra do grão, apenas estão recebendo e beneficiando para uma posterior venda. Moinhos estão com estoques bastante altos e com pouco interesse de compra, alguns compradores indicam preço na faixa de R$ 32,00 na ponta final, bem longe do preço mínimo que o governo deveria garantir na ponta inicial que é o produtor.

Trigo com melhor qualidade deve ter preço diferenciado?
GK - Diferentemente do último ano, em que as chuvas vieram no ponto de corte do trigo e 60% do trigo gaúcho foi vendido para ração, este ano estamos vendo um padrão nas lavouras já colhidas. Como foi dito, o grão não é de excelente qualidade, mas está atingindo o mínimo exigido para panificação e a mescla com produto advindo do Mercosul se torna menor em comparação com a última safra. Vale a pena ressaltar esta questão pelo fato de que está se observando um padrão de precificação, apesar de o preço estar caindo gradativamente com o andamento da safra. As cotações seguem de acordo com a oferta e demanda, sendo pago um pequeno plus para algumas poucas variedades de trigo branqueador que atingem qualidades próximas às trazidas do Mercosul. Não plantamos variedades de trigo com qualidade branqueadora, pelo fato de serem variedades que produzem menos quantidade e são mais suscetíveis às doenças, tendo um custo mais caro por ter que entrar mais vezes com fungicida na lavoura.

O produto vindo do Mercosul está chegando com preços mais baixos do que o trigo nacional? Qual o reflexo no mercado interno?
GK - Hoje o maior concorrente dos produtores, além deles mesmos, são Argentina e Paraguai. As condições geográficas são mais propícias para o desenvolvimento vegetativo das lavouras, por ser mais frio e seco (clima ideal para o trigo), e por produzirem volumes excedentes a consumo interno. Cerca de 30% da safra vem para o Brasil, chegando aqui e entrando em confronto com o nosso mercado interno; facilmente são propensos a baixar os preços. Temos que lembrar também que o governo Macri (Argentina), para incentivar a exportação e alavancar a economia de seu país, tirou a taxa de exportação o que facilita a vinda de produto para dentro do Brasil o que por um lado agrega em qualidade, mas abarrotam nossos moinhos com sua mercadoria. No momento, vemos moinhos praticamente fora das compras, uma vez que resta mais de 70% de área a ser colhida no Rio Grande do Sul e os preços praticamente caíram R$ 250,00 por tonelada desde o início da colheita e a tendência no curto prazo é de cair mais ainda. Além disso, estamos vendo trigo argentino e paraguaio chegar aos nossos moinhos na faixa de R$ 600,00 por tonelada; isto é mais um indício de que o preço do cereal tem espaço para cair ainda mais. Hoje nossos moinhos estão comprando volumes de trigo gaúcho na faixa de R$ 550,00 por tonelada. Sugiro ao produtor avaliar seu fluxo de caixa e, caso consiga, segure o trigo para vender no segundo semestre de 2017, estes, com certeza, terão um maior êxito nas vendas, pois além de ter passado o movimento de safra, não haverá tanta oferta no mercado.

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