“Não morreu de susto, Chico?” A pergunta feita por uma moradora ao taxista Francisco Andrade, 49 anos, resume o clima nas ruas da pequena Fontoura Xavier. Conhecida como a Terra do Pinhão, o município, de aproximadamente 10,8 mil habitantes, teve a rotina quebrada ao virar alvo de uma quadrilha especializada em assaltos a bancos. Em cinco meses, eles atacaram duas vezes as agências do Banco do Brasil e Banrisul, protagonizando cenas que lembram o roteiro de um filme policial. No roubo da última segunda-feira, além de vários tiros, os bandidos jogaram até moedas para o alto. O dinheiro se espalhou pelo asfalto e foi recolhido por algumas pessoas que se arriscavam nas proximidades.
Chico passa praticamente todo o dia nos cruzamentos das ruas 25 de abril e 9 de julho, centro da cidade. Ali, ele mantém seu ponto de táxi há 14 anos Da equina, consegue visualizar as agências do Branco do Brasil e Banrisul. A distância entre elas é de aproximadamente 80 metros. Foi do local de trabalho que o taxista presenciou o início dos dois ataques. Por precaução, resolveu se afastar com o carro e acompanhar o desfecho de longe. Para ele, os dois roubos tiveram as mesmas características.
“Desceram armados e encapuzados. Trancaram a rua com os dois veículos, em frente ao Banco do Brasil. Liguei o carro, fiz a volta, e fiquei lá na quadra de cima acompanhando. Isso é gente que conhece a cidade, sabe todos os caminhos. Fizeram tudo igual ao primeiro”, observa.
Aos poucos, outros amigos vão chegando no ponto de Chico e compartilhando testemunhos do último ataque. O comerciante Darci do Amarante Batista diz que vários familiares ficaram sob domínio da quadrilha. A irmã foi feita refém nos dois assaltos e obrigada, junto com o marido, a participar do cordão humano para bloquear a rua. Além dela, o filho, de 18 anos, também acabou envolvido na ação de segunda-feira. Proprietário de uma distribuidora de gás na cidade, Darci disse que o rapaz estava no caixa do Banco do Brasil para efetuar um depósito da empresa e acabou surpreendido.
“Ele estava com o dinheiro em cima do balcão, R$ 2,2 mil, quando eles chegaram e pegaram os valores. Depois, foi levado para fora e colocado no cordão humano. Fiquei acompanhando de longe, numa angústia sem fim. A gente nunca sabe o que pode acontecer”, revela. Darci conta ainda que na primeira ação, a filha, que é funcionária do Banrisul, também chegou a ser levada para o cordão humano na rua. Só escapou desta vez, segundo ele, porque estava de férias.
Funcionários de uma farmácia, em frente ao BB, lembram que o ataque ocorreu às 13h25min, mesmo horário do anterior. Assim que os bandidos desembarcaram, algumas pessoas entraram no estabelecimento gritando que era assalto. “Imediatamente fechamos a porta e corremos para os fundos”, relata Roseli da Rosa Farias, 30 anos. No roubo anterior, ela foi feita refém. No mercado ao lado, os proprietários tomaram a mesma medida. Imediatamente chavearam a porta principal e foram para a parte dos fundos do estabelecimento.
Assustados com a violência, alguns comerciantes das imediações preferem não comentar sobre os ataques. No entanto, assim como no ponto do taxista, em outras rodas de conversas que se formam a todo o instante, próximas aos bancos, não se fala em outro assunto. “O negócio era colocar um atirador escondido lá no alto do prédio e ficar esperando” recomenda um morador. Na sequência, outro homem emenda. “Já estamos ficando acostumados”, brinca.
Ação foi mais violenta
Testemunhas que presenciaram os dois ataques, concordam que a ação de segunda-feira foi mais violenta que a anterior, em 8 de março deste ano. Desta vez eles formaram dois cordões humano e efetuaram muitos disparos para o alto. Apesar do perigo de uma bala perdida ou de um possível confronto com a polícia, muitos curiosos se arriscaram e ficaram nas proximidades acompanhando. Os bandidos ainda deram mais uma demonstração de ousadia, jogando centenas de moedas para o alto, recolhidas por alguns moradores.
Segurança na agência do Banco do Brasil, Norberto Maciel de Oliveira, 46 anos, diz que a quadrilha estacionou os carros na contramão e chegou armada com espingardas, calibre 12 e pistolas. No momento, ele estava acompanhado do colega, José Moreira Paz, 61 anos. Assim que passaram pela porta principal, arremessaram uma marreta contra o vidro e abriram caminho para o interior da agência, evitando a porta giratória. Ele e o colega, foram rendidos. Neste momento, o drama do segurança estava apenas começando.
Na fuga, Norberto foi feito refém e levado no porta-malas de um dos veículos. Do banco traseiro, um assaltante matinha a pistola apontada contra a cabeça da vítima. “Imagina o carro em alta velocidade por uma estrada de chão. O cano da pistola batendo na minha cabeça, podendo disparar a qualquer momento. O porta-malas já estava encharcado do óleo diesel para facilitar o incêndio do carro. Não sabia o que iria acontecer comigo” conta.
A esposa do segurança, que já havia sido informada do ataque e que o marido tinha sido levado na fuga, percebeu quando os veículos passaram em frente à sua casa. Acompanhada do filho, de 16 anos, e de uma sobrinha, ela esperou alguns minutos e saiu de carro atrás. Norberto acabou libertado, juntamente com os outros reféns, numa estrada de chão. Antes de deixar o local, os bandidos incendiaram os dois veículos e bloquearam o caminho.
Na agência do Banrisul, a violência não foi menor. Com um golpe de machado, os assaltantes estilhaçaram o vidro da porta principal. Assim que ouviu o estouro, o vigia João Paulo Pereira do Amaral teve uma arma apontada contra o seu peito e recebeu a ordem de liberar a porta giratória. Como era o quinto dia útil do mês, o banco estava cheio de clientes, principalmente de aposentados em busca do salário. Os bandidos roubaram o dinheiro do cofre e dos caixas eletrônicos.
Gerente da agência, Carla Estácio estava em casa no momento do roubo. Da sacada do seu apartamento, em frente ao Banco do Brasil, ela percebeu a chegada da quadrilha. Como já havia sido feita refém no roubo de março, disse ter ficado preocupada com os colegas. Segundo ela, os assaltantes têm um bom conhecimento sobre o funcionamento da agência.
“Sabem sobre os procedimentos de abertura do cofre e dos caixas eletrônicos. Fiquei muito nervosa, pensei em ir para a agência para ajudar os colegas. Foi mais terrível apenas observar e não poder ajudar, não poder fazer nada,” diz. A gerente também comentou sobre a quantidade de tiros disparados pela quadrilha desta vez e criticou a atitude de algumas pessoas que ficaram provocando os bandidos. “Não é intenção deles machucar as pessoas desde que as coisas ocorram da maneira como querem,” observa. Dois funcionários foram levados na fuga. “Fica um sentimento de impunidade, de insegurança. Não existe efetivo para coibir a ação deles. Falta segurança do poder público e a gente sofre essa coação psicológica”.
Falta de policiamento e localização geográfica facilitam ação, diz prefeito
Assim como diversos pequenos municípios gaúchos, Fontoura Xavier tem na agricultura familiar sua principal fonte de economia. A cidade possui aproximadamente 10,8 mil habitantes. Número que costuma aumentar, principalmente no início do mês, em razão dos serviços oferecidos nas agência bancárias.
Em relação a violência, os números mostram uma cidade tranquila para se viver. Desde o início deste ano, a delegacia da Polícia Civil registrou 574 ocorrências. A maioria delas de pequenos furtos, abigeato no interior e acidentes de trânsito. Até a última quarta-feira não havia sido registrado nenhum homicídio.
Mas por qual razão a cidade acabou virando alvo da quadrilha? Cumprindo o segundo mandato como prefeito de Fontoura Xavier, José Flávio Godoi da Rosa (PT), tem algumas respostas. Uma delas, talvez principal, aponta o chefe do executivo, é a falta de policiamento. Até a ocorrência do primeiro ataque, no mês de março, a cidade tinha dois policiais militares e apenas um policial civil.
Inconformados com a situação, a população resolveu protestar. Com faixas e cartazes, os moradores bloquearam a BR 386 durante um dia e realizaram outras ações. A iniciativa surtiu efeito, mas não foi o suficiente. Desde lá, Fontoura ganhou mais um policial civil. Além das cinco câmeras de vídeomonitoramento nas ruas, foram adquiridas mais três. No entanto, não há PM para permanecer vigiando os equipamentos. “Com dois PMs não há condições de vigiar nada. Participamos de uma reunião em Carazinho, com o comando de lá. Nos chamou, mas não resultou em nada. Tem dias da semana que não fica nenhum policial militar aqui, eles reforçam o policiamento em Soledade”, diz o prefeito, lembrando da época em que a cidade chegou a ter 18 policiais.
A localização geográfica também está entre as razões, justifica Godoi. Além de ser cortada pela BR 386, responsável pela ligação à capital gaúcha, o município tem diversas estradas secundárias. Ramificações interligando diversos municípios e servindo como rotas de fuga. “Soma-se a isso, a existência de mata nativa ao redor da cidade. Verdadeiros esconderijos para eles. Podem se organizar nestes locais sem chamar a atenção de ninguém”, avalia.
José entende que o retorno da quadrilha ao município é apenas uma questão de tempo, se nada for feito para aumentar a segurança. “Se permanecer assim, eles voltam. Felizmente ninguém ficou ferido,” completa.
Mesma quadrilha
A semelhança entre os dois ataques reforça a hipótese da Polícia Civil de Fontoura Xavier, de que eles teriam sido praticados pela mesma quadrilha, cuja base é Caxias do Sul. Pelo menos 16 integrantes do bando já foram identificados. Uma parte está presa desde maio, quando ocorreu a operação Tríade, montada para desarticular três quadrilhas responsáveis por pelo menos 10 ataques a bancos. A ação resultou na prisão de 22 pessoas. Outro dado que reforça a tese é o fato dos três carros usados na segunda-feira, Cruze, Honda HRV e um Honda Civic, terem sido roubados em Caxias do Sul.
Os dois ataques em Fontoura Xavier ocorreram praticamente no mesmo horário, às 13h25min. No último, toda a ação, praticada por seis bandidos, levou 23 minutos, três a mais do que o primeiro. “Isso demonstra o quanto o grupo planejou os ataques. Tudo foi muito bem pensado”, avalia o comissário de polícia, Rodrigo da Cunha.
Segundo ele, os bandidos rodaram quatro quilômetros com o Cruze e o Honda HRV, levando os reféns. Numa determinada altura, libertaram as vítima e incendiaram os dois veículos, bloqueando a estrada. Na sequência, seguiram a fuga com o Honda Civic, por mais dois quilômetros e incendiaram o terceiro veículo. A polícia não sabe qual o modelo do quarto carro usado pelo bando para prosseguir na fuga.
Toda a ação foi filmada pelas câmeras espalhadas pela cidade. A polícia segue ouvindo depoimento das vítimas e testemunhas. As duas agências já foram periciadas. O material será encaminhado para o Departamento de Investigações Criminais (Deic), que investiga o caso.
Putinga
Distante cerca de 50 quilômetros de Fontoura Xavier, o município de Putinga, no Vale do Taquari, também registrou dois roubos semelhantes, em agências bancárias. A última aconteceu no dia 7 de junho. A polícia não descarta o envolvimento da mesma quadrilha nos quatro ataques.