“Não é uma luta econômica, mas uma questão política”, resume Fernanda (nome fictício*) se referindo a uma ação trabalhista movida contra uma empresa erechinense de confecções. Na fábrica com cerca de 100 funcionários, ela estima que havia 85 mulheres durante o período de nove meses em que trabalhou lá. Essas mulheres, conforme Fernanda, eram responsáveis pela limpeza de todo o espaço. Faltando dez minutos para o fim do expediente, elas interrompiam suas atividades e se dedicavam a higienização do local. Os homens, porém, continuavam suas atividades, já que a eles essa não era uma demanda exigida.
O ensino superior de Fernanda já estava em curso quando ela ingressou na empresa, no primeiro semestre de 2016. Em um cargo de auxiliar na indústria, logo passou a perceber discriminações de gênero com as mulheres. “Comecei a trabalhar lá justamente porque existia uma dificuldade de trabalho na minha área. De cara já percebi que existia uma grande diferença entre o trabalho das mulheres e dos homens. Desde o início era um espaço em que eu não me sentia bem”, confessa.
A ex-funcionária começou a questionar tais situações e chegou a entrar em contato com o sindicato laboral da categoria. Porém, no segundo semestre de 2016, ela foi chamada no setor de RH para receber a notícia de que seria desligada da empresa. A justificativa foi a crise econômica. Depois da saída, Fernanda obteve ajuda de outras mulheres que a incentivaram a ingressar com ação judicial pelas situações que passou enquanto era empregada da indústria. Como na legislação trabalhista não há nenhum ponto específico que abranja discriminação de gênero, o processo foi encaminhado por danos morais.
A advogada de Fernanda, que prefere reservar sua identidade, relembra que os próprios advogados não acreditavam na ação. “Homens advogados acreditavam que essa causa não daria em nada. Que seria um processo sem validade. No fim, não ia ter diferença. Falaram que o dano moral não tinha fundamento”.
Na metade do ano passado, o entendimento da juíza titular da 3ª Vara do Trabalho, Paula Silva Rovani Weiler, foi diferente dos advogados e favorável a Fernanda. Diante do testemunho de outra funcionária, a qual confirmou a situação de rodízio de limpeza realizada apenas pelas mulheres, a magistrada sentenciou que “tal atitude é decorrente de um pensamento retrógrado, o qual coloca a mulher em posição de servidão em relação aos homens, devendo ser combatida não só pelo Poder Judiciário, como pela sociedade em geral. Qualquer tipo de discriminação é inaceitável, seja ela nas relações pessoais ou trabalhistas, sendo que estas últimas devem buscar a inserção, de forma digna e igualitária, de qualquer indivíduo do contexto social”.
A empresa recorreu da sentença e no fim de 2017, a decisão foi mantida por unanimidade pelo 11ª Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em Porto Alegre. Não cabe mais recurso.
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