"Foi uma vitória da coletividade"

Enfermeira por formação, a atual vice-reitora de Extensão confessa que não passava pela cabeça que um dia seria eleita Reitora da UPF

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Bernadete Dalmolin será a sétima reitoria da Universidade de Passo FundoBernadete Dalmolin será a sétima reitoria da Universidade de Passo Fundo
Bernadete Dalmolin será a sétima reitoria da Universidade de Passo Fundo
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Filha caçula de uma família de 11 irmãos, a menina que caminhava diariamente 12 quilômetros para poder estudar, fez história na noite de 23 de maio. Com um total de 58.59% dos votos, Bernadete Dalmolin, 52 anos, completados na véspera da eleição, é a primeira mulher a assumir a reitoria na Universidade de Passo Fundo. Pelos próximos quatro anos, ela terá o desafio de comandar os rumos de uma das principais instituições de ensino superior do Rio Grande do Sul, que comemora em 2018, meio século de existência. A posse está marcada para 20 de julho.
Desde que foi instituído o cargo de reitor na UPF, em 1968, Bernadete será a sétima pessoa a assumir a função. Antes dela, comandaram a instituição: Murilo Coutinho Annes (1968-1974), Bruno Edmundo Markus (1974-1982), Elydo Alcides Guareschi (1982-1998), Ilmo Santos (1998-2002), Rui Getúlio Soares (2002-2010), e o atual, José Carlos Carles de Souza (2010-2018).


Em suas primeiras palavras, logo após a divulgação do resultado da votação, a futura reitora falou sobre a eleição da chapa 2 e, ao mesmo tempo, deu o tom de como será sua gestão. ‘...Foi a vitória da coletividade, de quem teve coragem de se envolver e construir. Uma vitória de todos nós, que estávamos com esse grito entalado, por mais democracia, por uma universidade mais comunitária...’

Espírito comunitário é uma palavra, cujo valor, Bernadete conheceu desde muito cedo. Filha de agricultores, ela nasceu na comunidade de Linha Dalmolin, interior do pequeno município de Caiçara, extremo norte do Rio Grande do Sul. A semelhança com o sobrenome não é mera coincidência. Na verdade, trata-se de uma homenagem ao avô, considerado um dos primeiros moradores da região. Ali, ela cursou os quatro primeiros anos do ensino fundamental numa turma multisseriada, onde um único professore atendia, na mesma sala de aula, alunos de idades e níveis de conhecimentos diferentes.

 

Para completar os anos seguintes do ensino fundamental, a dificuldade seria ainda maior. Como não havia 5ª série na escola da comunidade, a única alternativa era enfrentar, todo dia, acompanhada de alguns irmãos, uma caminhada de seis quilômetros de ida e outros seis de volta, até a escola no centro de Caiçara. “Não tinha transporte naquela época como agora. Enfrentávamos chuva, frio, barro e calor. Foi um período interessante, desenvolvemos um espírito forte de comunidade, de vizinhança. Mas infelizmente, poucas pessoas daquele grupo conseguiram terminar os estudos”, lembra.

 

Formada em enfermagem pela Universidade Federal de Pelotas, uma escolha fortemente influenciada por uma irmã e outras duas tias que já trabalhavam na área, Bernadete direcionou a carreira para a área de saúde mental. Aprovada em concursos públicos, atuou em diversos municípios, ajudando na construção de políticas públicas para o setor.

 

O primeiro vínculo com a Universidade de Passo Fundo surgiria em 1992. Enquanto participava de uma residência no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, recebeu de uma professora o convite para lecionar na UPF.

 

“Ela dava aula aqui na enfermagem e medicina. Vinha toda semana. Como precisava de ajuda, e havia poucas enfermeiras com formação na área da saúde mental, me convidou para lecionar. Eu havia me casado. Eu e meu marido fomos trabalhar juntos no município de Três de Maio. Vinha para Passo Fundo na quinta à noite para dar aula na sexta e no sábado. Fiquei uns dois anos na condição de professora não concursada. Em 1996 nos mudamos para cá”, conta. Dois anos depois, acabou sendo chamada em um concurso da Secretaria Estadual de Saúde, e passou, também, a atuar na 6ª Coordenadoria Regional de Saúde.


Sobre o fato de ter sido a primeira mulher eleita para a reitoria da UPF, Bernadete disse que não quis explorar este aspecto como algo diferente durante a campanha. No entanto, reconhece o simbolismo da conquista pelo fato de as mulheres ocuparem poucos postos de gestão. "A própria característica da liderança parece que deve ter um perfil masculino. Não é nada disso, é nessa diferença que a gente consegue enriquecer e trazer peculiaridades próprias do masculino e do feminino. Estar à frente nesse momento é também uma vitória das mulheres. De encorajar outras mulheres a ocuperem esses espaços", observou.

 

Gestão
Alcançar a reitoria da Universidade de Passo Fundo era algo que não fazia parte dos planos de Bernadete em um passado recente. Para ela, essa caminhada é muito mais resultado de um processo natural. Uma característica pessoal, descoberta ainda durante a vida acadêmica.
“Nunca imaginei que chegaria a ser reitora da universidade. Nunca me passou pela cabeça. Mas sempre fui uma pessoa que gostou de participar, de se envolver naquilo que fiz. Sempre me entreguei muito. Isso foi fazendo que eu tivesse um caminho meio natural de assumir postos. Quando a gente se envolve, acaba sendo colocada nesses lugares. Durante a faculdade foi assim. É quase uma convocação do grupo”, avalia.

 

Mesmo exercendo uma liderança importante no setor público, tanto na prefeitura de Três de Maio, por um período de quatro anos, como na 6ª Coordenadoria Regional de Saúde, onde teve a oportunidade de coordenar vários setores, a aproximação de cargos de gestão dentro da UPF começou somente em 2010, ainda de maneira um pouco tímida. Durante a composição da chapa que elegeria o atual reitor, José Carlos Carles de Souza, em seu primeiro mandato, recebeu o convite para ocupar o cargo de vice-reitora de extensão e assuntos comunitários, mas declinou.

 

“Não estava pronta. Em 2010, quando houve aquele movimento para mudança da universidade, um pouco semelhante como o que aconteceu agora, os colegas me chamaram para participar. Comecei a me envolver. Até então, ficava mais no campus 2 na saúde. Não vivia com essa diversidade toda que é a Universidade. Fui convidada para ser candidata, mas naquele momento, eu entendia, com o grupo, que a professora Lorena tinha uma caminhada maior dentro da instituição”, observou.

 

Com a aposentadoria da professora Lorena, Bernadete foi novamente convocada e acabou aceitando o desafio. Para ela, ter o nome indicado ao cargo de reitora esse ano, foi uma decisão mais tranquila do que assumir a vice-reitoria em 2012. “Lá era uma novidade pra mim. Era um mundo que não tinha vivido ainda tão de perto. Depois foi se tornando natural, fui conhecendo. Agora recebi muitos pedidos para que estivesse à frente desse processo. Isso foi me encorajando. Não é uma decisão fácil, mas o fato de ter um grupo, um coletivo junto, me deixou muito tranquila”.

 

Processo construído dentro das unidades

A indicação de Bernadete para a reitoria, e dos outros quatro nomes que integraram a chapa 2, foi resultado de um amplo debate democrático iniciado ainda em setembro do ano passado, e construído dentro das 12 unidades acadêmicas da UPF. Denominado de Movimento UPF - para além dos 50 anos, os gestores passaram o segundo semestre avaliando o trabalho da atual administração e elaborando proposições para a futura chapa.


Toda essa movimentação inicial resultou em um projeto, com os pontos básicos que precisavam ser trabalhados. Conforme o documento, a preocupação era indicar nomes de pessoas comprometidas com o fortalecimento do caráter comunitário da universidade, com capacidade de diálogo e interlocução com o desenvolvimento regional. Também deveria ser levado em conta, a trajetória acadêmica, o perfil desejado de gestor e a possibilidade de agregar apoios.


Em busca deste perfil, as unidades foram chamadas para indicar nomes. Cada uma poderia apresentar até três pessoas, pelo menos duas da própria unidade. No primeiro momento surgiram 18 indicações. Durante reuniões realizada pelo comitê de gestão, sete indicados declinaram do convite, mas mantiveram apoio ao movimento. Em nova reunião, em 18 de abril, após longos debates, foram definidos os quatro nomes para composição da chapa. Cinco dias depois, o grupo aprovou o quinto integrante. A chapa 2, 'Movimento Ação UPF', que comandará a UPF até 2022, foi formada pelos professores: Edison Alencar Casagranda, vice-reitor de Graduação; Antonio Thomé, vice-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação; Rogerio da Silva, vice-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários e Cristiano Roberto Cervi, Vice-Reitoria Administrativa.


"A inovação já começou durante o processo de escolha dos nomes. Entedíamos que o grupo tinha que ter essa maturidade. Para fazer uma gestão de fato, mais democrática, mais aberta, compartilhada, como estamos propondo, o grupo tinha que se experimentar, fazendo esse processo desde a sua gênese. Foi bacana. Os alunos também tiveram uma participação brilhante, se organizaram, já no final do ano passado" avaliou a futura reitora.

 

Perfil
Professora Drª Bernadete Maria Dalmolin
Doutora em Sau´de Pu´blica (USP)
Mestre em Sau´de Pu´blica (USP)
MBA em Gesta~o do Ensino Superior
Especialista em Sau´de Mental e Administrac¸a~o Estrate´gica em Sau´de
Graduada em Enfermagem (UFPel)
Vice-reitora de Extensa~o e Assuntos Comunita´rios da UPF (desde 2012)
Membro do Conselho Diretor da FUPF (2011-2012)
Membro do Planejamento Estrate´gico Institucional UPF (2010-2012)
Coordenadora do Fo´rum de Extensa~o das Instituic¸o~es Comunita´rias de Educac¸a~o Superior Ca^mara Sul (2013-2016) e Coordenac¸a~o Nacional (desde 2017)
Professora da UPF desde 1992

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