A herança do temporal em Água Santa

Sem fonte de renda, produtores rurais do município vivem drama com dívidas contraídas em empréstimos bancários

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Um dos municípios mais atingidos pelo temporal que passou pela região norte do estado, há um mês, produtores rurais de Água Santa trabalham para consertar os estragos e contabilizam os prejuízos. Incluindo estruturas, residências, maquinário, animais e produtos, a estimativa da prefeitura é de aproximadamente R$ 17 milhões.

 

Responsável por 34% do Produto Interno Bruto (PIB) do município, o setor de frangos foi um dos mais prejudicados. Levantamento realizado pela Emater/Ascar, baseado na destruição de 11 aviários, na área rural do município, aponta a morte de cerca de 130 mil aves. Numa projeção de um ano e meio, tempo mínimo necessário para reconstrução e retomada do mesmo volume de produção, a Emater estima que pelo menos 1,9 milhão de frangos deixarão de ser produzidos nesse período.

 

O drama que vem tirando o sono dos produtores, e não consta na estatística, é o montante da dívida bancária contraída por eles para financiamento dos aviários e outras estruturas. Sem a principal, ou única fonte de renda, não há recursos para quitar estes empréstimos assumidos, tampouco, ter acesso a novos   financiamentos para reposisão dos aviários. “Estou vivendo de doações” revelou uma das vítimas, com os olhos marejados.

 

O município teve o decreto de emergência reconhecido, tanto pelo governo estadual como federal. Situação que, segundo o prefeito Jacir Miorando (MDB), pode auxiliar na liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e  na prorrogação de parcelas de financiamento agrícola. Outra possibilidade com o reconhecimento do decreto, conforme o chefe do executivo, é o repasse no valor de R$ 60 mil, para cada casa atingida. “Estamos pleiteando pelo menos para quatro residências totalmente destruídas. O problema é que o proprietário tem que preencher uma série de requisitos para receber o benefício”, explica.

 

Segundo o prefeito, os estragos terão reflexos significativos no Valor Adicionado Bruto (VAB) do município e na economia de um modo geral. As consequências no VAB serão sentidas nos próximos anos, no retorno de tributos. Estatísticas que colocam Água Santa nos melhores patamares de qualidade de vida também deverão sentir os impactos do tornado.

 

Estudo realizado pela Fundação de Economia e Estatística (FEE), em março deste ano, apontou novamente, Água Santa como segundo município no Rio Grande do Sul com melhor Índice de desenvolvimento socioeconômico (Idese). O estudo avalia aspectos da educação, saúde e renda.

 

A matriz do agronegócio rendeu ao município, o primeiro lugar no ranking de renda do último Idese gaúcho. A estatística tem como base o ano de 2015. O Produto Interno Bruto (PIB) do município, de pouco mais de quatro mil habitantes, é de R$ 264,7 mil. O PIB per capita de Água Santa é de R$ 68,9 mil, quase duas vezes o de Passo Fundo, que é de R$ 39,7 mil. O PIB per capita é aquele que pega a soma de todos os bens e serviços e divide pelo número de habitantes.

 

Enquanto os rastros do tornado ainda não deixaram pegadas nos indicadores econômicos, as famílias quebram a cabeça para garantir o sustento e aliviar os prejuízos.  A seguir, o depoimento de quatro famílias de Água Santa e o drama para quitar as dívidas sem suas fontes de renda.

 

"Enquanto temos lucros servimos para as instituições bancárias" 

No mesmo terreno onde morou por 38 anos, com a esposa e os três filhos, Tadeu Lorençon, 62 anos, ajuda a abrir as valetas que servirão de base para a nova moradia. No local, não havia nenhum vestígio da antiga casa levada pelo temporal na madrugada de 12 de junho.

 

O trabalho segue em ritmo acelerado por conta da solidariedade. Um grupo de amigos e voluntários vindos de municípios como Tapejara e Charrua, se apresenta diariamente para ajudar na reconstrução da propriedade dos irmãos Lorençon. Nos últimos 30 dias, o cenário já mudou com a retirada do maior volume de escombros, mas os rastros dos estragos ainda estão presentes por toda parte.

 

Além de quatro casas, a força do vento colocou abaixo um galpão, onde eram guardados grãos e o maquinário, além de dois aviários. Juntos, eles produziam em média 35 mil frangos. Metade do lote, que já estava pronto para ser entregue seis dias após o temporal, morreu com a queda das estruturas. Outra parte já havia sido entregue dias antes.

 

Não bastasse ter a atividade aviária  interrompida, a família Lorençon  convive com o fantasma das dívidas. Para construção das três estruturas, o produtor investiu aproximadamente R$ 850 mil. A maior parte destes valores é de financiamentos bancários, que ainda estão sendo pagos. Com uma área disponível de 43 hectares para o plantio da lavoura,  o produtor afirma que o custo da plantação  e manutenção são muito elevados e o lucro é muito pequeno. Diante da situação, um dos filhos, que sempre trabalhou na propriedade, já está buscando emprego em uma empresa do município. 

 

“Apenas de um aviário devo R$ 109 mil. Para fazer o galpão financiei R$ 99 mil. Todas essas despesas eram pagas com a produção dos frangos. Sem ela, não sei como pagarei as dívidas. Também não tenho como fazer novos financiamentos para reconstrução. Enquanto temos lucros servimos para as instituições bancárias. Quando entramos numa situação como essa não servimos mais. Ainda bem que temos estrutura psicológica sólida para enfrentar”, desabafou.

 

* Leia a matéria completa na edição impressa deste fim de semana

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