O alfabeto completo e a imagem de diversas plantas medicinais decorando as paredes do pequeno prédio de madeira, onde funciona a Escola Estadual de Ensino Fundamental, Fag Nor (Pinheiro Grande) demonstram a preocupação em manter viva a cultura caingangue para as novas gerações.
Instalada há aproximadamente quatro anos, na área da antiga Ceasa, às margens da BR 285, próximo ao Parque de Exposições Wolmar Salton, o educandário é uma extensão da escola estadual 29 de outubro, localizada no município de Pontão.
Com uma estrutura precária, o prédio, onde anteriormente era a casa de uma família indígena, tem apenas um espaço para receber as 16 crianças matriculadas, da pré-escola até o 5º ano. O ensino funciona no sistema de classe multisseriada. Uma única professora atende alunos com idades e níveis de conhecimentos diferentes, durante o turno da manhã.
No local não há água encanada, luz elétrica e nem banheiros. A iluminação é feita apenas com um suporte de lâmpada, cuja a energia é adaptada de um poste. Em dias nublados, a falta de luminosidade obriga a professora a mudar de atividade. Para suportar as baixas temperaturas do inverno foi preciso usar a criatividade. O revestimento interno das paredes com um tecido (Tnt), não resolveu em definitivo, mas pelo menos serviu como barreira para amenizar a entrada do vento gelado pelas frestas existentes entre uma tábua e outra. Além da proteção, o amarelo do tecido ajudou na decoração do ambiente.
De acordo com o diretor da Fag Nor, Luiz Henrique Ferraz Pereira, uma verba de R$ 50 mil destinada pelo Estado será investida para melhorar a estrutura da escola. Segundo ele, o recurso será aplicado na construção, em alvenaria, de um banheiro e também de uma sala para a direção.
Valorização da cultura
Desde o final de julho, as aulas na Fag Nor são comandadas pela professora Elisângela de Fátima Rizzato. Especialista em educação inclusiva e especial, e mestranda na área da diversificação da educação, em Buenos Aires, ela disse que o convite feito pela 7ª Coordenadoria Regional de Educação, para trabalhar na escola, depois que a titular saiu em laudo maternidade, ‘caiu como uma luva’. “Tive várias experiências na área da educação inclusiva, mas ainda não havia trabalhado em escola indígena”.
Além da ideia de revestir a escola com tecido, Elisângela trouxe uma nova proposta pedagógica para a sala de aula. Como se trata de crianças com idades que variam de cinco a 12 anos, reunidas no mesmo espaço, ela trabalha como o chamado ‘tema gerador’, para todos, mas em diferentes níveis de aprendizagem.
Dentro dessa proposta, e como forma de resgatar e valorizar a cultura caingangue, a professora está desenvolvendo um projeto com plantas medicinais. A iniciativa envolve alunos e familiares. “Estamos identificando as plantas medicinais usadas por eles, a partir do conhecimento deles, dos mais velhos. Vamos nas casas, conversamos com os pais e avós, anotamos tudo. Também realizamos pesquisa de campo, colhendo, identificando. Como se usa determinada planta, para que ela serve. Vamos resgatando esse conhecimento, essa bagagem cultural própria deles e passando para os mais novos”, afirma.
A iniciativa ganhou a parceria da Emater, que vai auxiliar os alunos na organização de uma horta. O cacique Delair Lima siqueira, 30 anos, não só aprovou a ideia como já preparou o terreno para receber as plantas. “Quando alguém fica doente, vamos buscar as plantas no mato. Com a horta as crianças vão aprendendo com os mais velhos. Assim nossa cultura não morre”, define. A intenção, conforme a professora, ao final do trabalho é elaborar uma cartilha com as plantas existentes dentro da comunidade e seus respectivos usos. Atento aos ensinamentos, o pequeno Adaias Daut Kafej Domingos, 10 anos, diz que ‘na comunidade existem plantas para dor de cabeça, problemas na bexiga e muitos outros’.
Conforme o cacique, 21 famílias residem há sete anos na área, pertencente ao Estado. Elas são provenientes de reservas da região, como Votouro, Charrua e Nonoai. Segundo ele, o abastecimento de água acontece uma vez por semana através de um carro-pipa da prefeitura. Além das 16 crianças que estudam na escola do acampamento, outros três adolescentes frequentam o ensino médio em Passo Fundo. Outra preocupação da escola com a preservação da cultura indígena, está relacionada com a alfabetização das crianças na língua caingangue. Para que elas aprendam a ler e escrever na idioma original, uma professora frequenta a Fag Nor, uma vez na semana e trabalha exclusivamente na alfabetização. O alfabeto completo fixado na parede do educandário ajuda a fixar as letras. “Se vão para uma escola tradicional não aprendem a ler e escrever no caingangue”, diz o cacique Delair.