Maioria de venezuelanos já está empregada em Chapada

Instalados há pouco mais de um mês no município, imigrantes se adaptam ao estilo de vida do sul do Brasil, sem esquecer das origens

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Ivan Chacon, 53 anos, já mostra uma certa desenvoltura ao manobrar o trator. Enquanto isso, a esposa dele, Jelitza Bogado, 50, descobre os segredos da ordenha mecânica. De garçom e cozinheira, na Venezuela, o casal está se reiventando profissionalmente e culturalmente para enfrentar os desafios de uma nova vida na região norte do Rio Grande do Sul.


Eles estão entre os 52 venezuelanos instalados no município de Chapada, há pouco mais de um mês. Passado esse período, já é possível perceber que a recepção feita pelos moradores de Linha São Roque, interior do município, na noite de 27 de setembro, não foi apenas protocolar. Dos 23 adultos vindos de Roraima, apenas três deles ainda não conseguiram emprego. Somente a empresa de laticínios Friolack contratrou 16 imigrantes. As crianças e adolescentes já estão frequentando escola e creches em turno integral.


A vinda dos venezuelanos para Chapada, município de colonização tipicamente alemã, partiu de uma iniciativa da própria prefeitura, que ofereceu abrigo, escola e a possibilidade de emprego. "Nos colocamos à disposição para realizar essa ajuda humanitária porque o nosso município tem condições de absorver a mão de obra. Também tínhamos as vagas disponíveis na rede de educação", disse o prefeito, Carlos Alzenir Catto (PDT). Por cada venezuelano, o governo federal se comprometeu em repassar o valor mensal de R$ 400. O recurso está sendo utilizado para custear as despesas como alimentação, luz entre outros.


No início deste mês, o ministro do Desenvolvimento Social, Alberto Beltrame, visitou Chapada e as instalações em Linha São Roque. Na oportunidade, ele se reuniu com prefeitos de municípios vizinhos para sondar a possibiliade de ampliar a oferta de vagas para mais famílias de imigrantes.


Uma nova rotina
Durante o dia, o prédio da antiga escola, adaptado para alojar as 10 famílias, passa praticamente vazio. A rotina começa cedo. Um ônibus escolar faz o transporte das crianças, enquanto outro veículo da prefeitura se encarrega de levar os trabalhadores até a cidade, onde permanecem durante todo o dia.


Mesmo com a maioria dos adultos empregados, apenas a família de Ivan Chacon havia deixado o alojamento até o dia 6 de novembro. Ele, a esposa Jelitza, os filhos de 23,15 e 12 anos, além de um neto, de apenas um ano, mudaram-se para uma propriedade rural, na localidade de Linha Bonita, distante cerca de 6 quilômetros de Chapada.


Ivan já estava praticamente contratado para trabalhar na prefeitura, quando recebeu o convite. O fato de ter sido proprietário, juntamente com outros familiares, de uma área rural na Venezuela, e a filha, Ivangelis, 23, ter cursado ciências agrícolas, pesaram na decisão.
Quem abriu as portas para os novos moradores de Chapada foi a família Rockembach. Filha do proprietário, Salete Ines Rockembach Stümer instalou os seis venezeuelanos na casa onde cresceu. Uma moradia de quatro quartos, construída há 70 anos. "Choramos de alegria quando viemos para cá", disse Jelitza. No mesmo sentimento de emoção da mãe, Ivangelis emenda. "Meu filho começou a caminhar aqui".


Na propriedade há o cultivo de trigo, milho e soja, mas a função dos Chacons é cuidar do tambo de leite. São cerca 45 vacas leiteiras e uma produção diária de mil litros. O trabalho não chega a ser uma novidade para eles, mas a tecnologia dos equipamentos requer aprendizado. "Lá a gente fazia a ordenha, mas era manualmente. Agora estamos aprendendo novas técnicas. A gente tinha uma terra na Venezuela, mas não havia dinheiro para comprar trator e outras máquinas", lembra Jelitza.


No mesmo dia em que a reportagem visitou a propriedade, Salete informou que durante a tarde, iria para a cidade assinar a carteira de trabalho dos venezuelanos. Além de funcionários, ela ganhou novos vizinhos e amigos. "Tem sido muito bom nossa convivência. Eles aprendem conosco e nós com eles. É uma troca cultural". O primeiro símbolo dessa troca foi o pão caseiro assado por Salete em um forno campeiro na chegada da família. "Ela não conhecida dessa forma, agora já está fazendo melhor do que o meu", brinca.


Violência forçou saída da Venezuela

O assassinato de um filho de 21 anos, foi a gota d´água para a família Chacon deixar a Venezuela em busca de uma nova vida no Brasil. Jelitza conta que o autor do crime assaltou o rapaz para roubar um celular e o matou. "Não havia segurança para nada" lembra.


No Brasil, a família ainda viveu mais um episódio de violência. Em agosto passado, eles estavam na cidade de Pacaraima, Norte de Roraima, fronteira com a Venezuela, quando cerca de dois mil brasileiros queimaram e destruíram barracas e pertences dos imigrantes acampados nas calçadas e praças. O fato ocorreu depois que um comerciante brasileiro teria sido assaltado e agredido por venezuelanos, no dia anterior. "Perdemos todos as nossas roupas e documentos. Depois disso, fomos levados para Boa Vista, onde ficamos um mês", lembra Jelitza.
Antes de deixar Roraima, os Chacons tinham, de acordo com a seleção, a possibilidade de escolher entre os estados de Minas Gerais, Brasília, São Paulo, Manaus, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nesse momento, a família decidiu ouvir o conselho de um soldado do exército. "Ele disse para escolher entre Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, que seríamos muito bem recebidos nesses lugares", conta a imigrante.


Eles seguiram o conselho do soldado e se dizem felizes pela escolha. Estou me sentindo orgulhosa do trabalho aqui. O clima não é tão quente quanto em Roraima. Fomos muito bem acolhidos aqui. Só temos que agradecer. Nosso objetivo é comprar uma casa e ficar morando por aqui. Também trazer nossos familiares", acrescentou Ivan.

 

Feijão com açúcar e chimarrão

“Eles colocam açúcar em cima do feijão”, conta Juçara Martins, psicóloga e encarregada das contratações na empresa Friolack, de Chapada. Do outro lado também tem espanto: “não tive coragem de experimentar chimarrão ainda”, confessa a venezuela Emerys Urbina, já empregada na empresa de laticínios. A surpresa com os costumes culinários é uma prova da integração cultural que o pequeno município de 10 mil habitantes, no norte gaúcho, vem experimentando há pouco mais de um mês.

 

Desde que desembarcaram na cidade, no fim de setembro, os imigrantes aguçaram a curiosidade e também a solidariedade dos moradores locais. Em um dos bares da região central, as informações sobre os estrangeiros corre. Tanto funcionários quanto frequentadores, que se reúnem para jogar cartas, já sabem onde estão empregados os venezuelanos. Pouco a pouco, eles vão se inserindo na cidade e estabelecendo uma troca: ensinam seus hábitos e apreendem sobre o estilo de vida dos chapadenses.

 

A Friolack é um destes espaços de convívio e interação. A  indústria contratou 16 venezuelanos, 9 homens e 7 mulheres, que chegam cedo e passam o dia todo na sede da empresa. Juçara relembra que quando soube da vinda das 10 famílias, organizou uma apresentação toda em espanhol para falar dos benefícios concedidos aos colaboradores. Depois, foi até a casa deles para pegar currículos e realizar as entrevistas. Os contratados foram distribuídos em diversos setores conforme as aptidões e respeitando as formações profissionais. Quem possui ensino superior foi para o setor administrativo, como foi o caso de Emerys.

 

Apesar de lidar com alguns aspectos novos, a venezuelana, que é graduada em administração de empresas, desempenha uma função parecida com a que exercia no país natal, onde cuidava das finanças de cinco empresas do mesmo dono. Ela decidiu sair da Venezuela quando entrou em férias e percebeu que com o dinheiro recebido não dava para comprar nem os materiais escolares dos três filhos. Assim, reuniu suas economias e veio para o Brasil. Quando já estava em Roraima, mandou um e-mail avisando sobre o desligamento na empresa.  Passou nove meses em Boa Vista, onde trabalhou como cozinheira e abriu uma lanchonete.

 

“Eu não estava interessada em viajar porque eu já tinha aberto um negócio. Em teoria, eu já estava estável. Mas quando eu trouxe meus filhos, a situação ruim mais difícil porque era muito difícil conseguir escola para eles. Eu estava morando na loja e com os três filhos, o lugar ficou pequeno”, relembra. Além disso, nos últimos meses o movimento da lanchonete havia diminuído, o que a estimulou a se mudar.

 

O processo de mudança foi muito rápido e lamenta pelas pessoas que deixou em RR. “Eu adoro Boa Vista, deixei muitas pessoas legais lá. Conheci muitas pessoas que foram boas comigo. Mas por causa de meus filhos, precisei buscar outro lugar”, explica. A escolha pelo Rio Grande do Sul foi em virtude das temperaturas, numa tentativa de fugir do calor da fronteira. “Isso porque ainda não chegou o inverno”, alerta a colega Juçara. O clima de acolhida é tal que a psicóloga e a estrangeira já se tratam como amigas de longa data. Apesar do carinho que sente pelo estado de Roraima, diz estar muito feliz em solo gaúcho. Principalmente porque os filhos já estão matriculados e frequentando a escola.

 

Quem também está feliz é a Friolack, onde o feedback dos venezuelanos é excelente. “Os líderes dos setores falam muito bem deles. Que eles têm muita facilidade para aprender e seguir os procedimentos de qualidade da fábrica, por exemplo”, afirma Juçara. A empresa fez algumas adaptações para melhorar o bem-estar dos estrangeiros. Uma das mudanças é em relação ao transporte da tarde, que os leva da indústria, situada da Linha Modelo, às margens da RS 330, até o abrigo, na Linha São Roque. Como eles encerram o expediente mais cedo, precisavam esperar pelo menos uma hora até que o ônibus escolar os buscasse para retornar para casa. Por isso, a Friolack disponibilizou uma van que os leva para casa mais cedo. Porém, como não há espaço para todos no veículo, eles foram distribuídos em três grupos e é feito um rodízio no transporte. A outra diferença é que agora as funcionárias do refeitório da empresa colocam açúcar na mesa, para que os venezuelanos possam misturar com o feijão.


Planos futuros

O pequeno município é o presente e também o futuro de Emerys e seus três filhos. A venezuelana já tem planos a longo prazo para alugar uma casa e, posteriormente, comprar um imóvel próprio. “Apesar de não ser uma cidade grande, é muito acolhedora conosco”, justifica.


Crise na Venezuela e refugiados

Em todo o mundo, o número de refugiados e migrantes que deixaram a Venezuela nos últimos anos devido à crise político-econômica atingiu a soma de 3 milhões de pessoas. O dado foi divulgado no dia 8 de novembro pelas agências das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e para Migrações (OIM). Segundo o levantamento, baseado em dados enviados pelas autoridades nacionais de imigração, a maior parte dos migrantes (2,4 milhões) se deslocou para países da América Latina e do Caribe. Também há registro de chegada dos refugiados da Venezuela a países da América Central, como o Panamá, onde vivem 94 mil venezuelanos. A Colômbia é o país vizinho que tem mais venezuelanos abrigados: mais de 1 milhão de migrantes. Os outros países com maior número de venezuelanos são: Peru (meio milhão), Equador (220 mil), Argentina (130 mil), Chile (100 mil) e Brasil (85 mil).


No Brasil, os estrangeiros entram por Roraima, estado que faz fronteira com a Venezuela. Nos dois últimos dois anos, a Polícia Federal registrou a entrada de quase 130 mil venezuelanos no Brasil por Pacaraima. Até o fim de junho, cerca de 70 mil imigrantes haviam saído por via terrestre ou aérea e não constavam registros de pelo menos 58 mil venezuelanos.


A entrada de estrangeiros vem gerando conflitos e discussões políticas. O governador eleito de RR, Antonio Denarium, do PSL, defendeu, durante a campanha eleitoral, um “controle rigoroso na fronteira” -  com a adoção de medidas que restrinjam a entrada dos imigrantes, como obrigatoriedade de vacinação para todos, instalação de campos de refugiados pelo Exército e transferência de imigrantes para outras partes do país.  


Plano regional
O comunicado das agências da ONU informa ainda que, em dezembro, será lançado um Plano Regional de Resposta Humanitária para Refugiados e Migrantes da Venezuela (RMRP) pela Plataforma Regional de Coordenação Interagencial, que atua desde setembro no fortalecimento à resposta operacional por meio do apoio de 40 parceiros e participantes, incluindo agências da ONU, organizações internacionais, sociedade civil e organizações religiosas. O plano se concentrará em quatro áreas estratégicas: assistência emergencial direta, proteção, integração socioeconômica e cultural e capacitação para os governos dos países de acolhida.


A Acnur considera que há diferença entre os termos migrante e refugiado, por isso são usados juntos no resultado da pesquisa. De acordo com a agência da ONU, os refugiados são pessoas que buscam outro país para escapar de conflitos armados ou perseguições. De outro lado, os migrantes escolhem se deslocar, não por causa de uma ameaça direta de perseguição ou morte, mas principalmente para melhorar de vida, por reunião familiar ou por outras razões.

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