Além de simbolizar a Independência do Brasil, o Sete de Setembro é um marco na luta pela terra para 110 famílias que no ano de 1979 ocuparam a Fazenda Macali, em Ronda Alta. Algumas semanas mais tarde, outro grupo, formado por cerca de 70 camponeses, ocuparia terras de outra fazenda próxima, a Brilhante. Para celebrar os 40 anos de ocupação das glebas, as comunidades dessas duas localidades, em conjunto com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) promovem uma festa neste sábado.
São esperadas aproximadamente 700 pessoas no evento. Na parte da manhã terá um momento para relembrar a história da retomada da luta pela terra no Brasil e homenagens às famílias que acamparam, em 1979, nas áreas Macali e Brilhante e seus apoiadores. Ao meio dia, será disponibilizado almoço no valor de R$ 20 e após terá tarde dançante. Para Isaías Vedovatto, dirigente estadual do MST/RS, é imprescindível festejar essa conquista. “Essa comemoração é importante para voltarmos e olharmos na história, pra poder agir, retomar, reanimar, pra seguir em frente em um processo de organização, de luta, de mobilização”, declara.
A luta pela terra
A história das ocupações iniciou quase vinte anos antes da ocupação Macali e Brilhante. Na Fazenda Sarandi, em 1962, na região norte do estado, houve a primeira ocupação por integrantes do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master). As ações realizadas por esse movimento tinham como objetivo organizar acampamentos ao lado de áreas que queriam ver desapropriadas. Geralmente eram terras públicas ou ainda terras particulares, as quais não possuíam comprovação de posse ou eram improdutivas.
Na época, o Master foi apoiado pelo então governador do estado, Leonel Brizola (PTB). No mesmo ano, Brizola implementou o Programa de Projetos Especiais de Reforma Agrária e Desenvolvimento Econômico-Social e criou o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária (Igra). Ambos tinham o intuito de organizar cooperativas, comunidades de pequenos e médios agricultores e promover a democratização da propriedade da terra. No entanto, com a derrota do governador Brizola e o inicio da ditadura militar no Brasil, muitos foram expulsos daquele local.
Em 1978, 1,2 mil famílias foram sido expulsas pelos indígenas caingangues de terras em Nonoai. Diante dos conflitos, o governo do Estado iniciou um processo de transferência dos camponeses. Algumas famílias aceitaram fazer parte do processo de colonização no Mato Grosso. No entanto, cerca de 500 delas optaram por não sair do estado. Parte dessas famílias passou a acampar nas proximidades da reserva indígena. Outras, porém, foram deslocadas para o Parque de Exposições de Esteio, as quais após alguns meses foram assentadas em Bagé, na região da Campanha.
No ano de 1979, os remanescentes começaram a se organizar para ocupar as fazendas da região norte do Rio Grande do Sul. Depois de algumas ocupações mal sucedidas, com o auxilio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de sindicatos, estudantes, servidores públicos da Secretaria de Agricultura, entre outras entidades, os camponeses passam a se organizar para uma ação na Macali.
O planejamento da ocupação
Era véspera de sete de setembro, quando 36 caminhões boiadeiros e veículos transportaram cerca de 110 famílias até a gleba Macali. “A estrada era de terra vermelha, levantava uma poeira enorme, e uma lua lindíssima clareava o caminho até a Macali”, lembra padre Arnildo Afonso Fritzen, de 76 anos, que à época ajudou a organizar as famílias.
A escolha da data não foi por acaso. A data comemorativa desviou as atenções de autoridades, militares e civis às festividades. Além disso, a análise e mapeamento prévio da estrada, onde os organizadores delimitaram um esqueleto do local, favoreceu o sucesso da ocupação.
No dia 7, como forma de demarcar o sucesso da ocupação, os camponeses hastearam a bandeira do Brasil e realizaram a missa da independência, presidida pelo padre Arnildo. “Foi [tudo] muito animado, bastante canto. O povo gritava: povo unido jamais será vencido”, acrescenta o padre. Oliveira não esquece como foi o dia seguinte à ocupação. “No outro dia que nós estávamos no lado de cá, cada um começou a se conhecer. Fomos nos organizando e tirando as equipes, porque nós não tínhamos conhecimento da luta”, recorda.
Ocupação Brilhante
Dias depois, mais de 70 famílias ocuparam a gleba Brilhante. “Nós alugamos um caminhão que puxa cavalo e enchemos de gente. Ele largou nós com as trouxas nas costas e fomos atorando as valetas no escuro”, conta um dos líderes camponeses da ação, Lucival Brachak. “Demoramos para chegar lá. Era longe, de noite, no escuro, pulando cerca. Eram 10, 12 fios de arame cada cerca”, relata o Sem Terra. “A polícia veio e nós enfrentamos o coronel. Nós não saímos de lá”, recorda. Inicialmente o governo ignorou essa segunda ocupação. No entanto, com a pressão dos camponeses e a opinião pública, o poder público se viu obrigado a conceder terra, assistência social e alimentos.
40 anos depois
O acampamento nas duas áreas representou um estímulo para outros movimentos que viriam na sequência e a própria criação da sigla MST, na década de 1980. “A Macali e a Brilhante começam a abrir o caminho para o povo ir se organizando e lutando pela terra, lutando pela Reforma Agrária”, salienta Maria Salete Campigotto, participante do acampamento da Encruzilhada Natalino.
*Contribuição de Maiara Rauber/Assessoria de Imprensa do MST