Projeto promove a preservação de abelhas sem ferrão

Iniciativa desenvolvida pela Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Tio Hugo já espalhou pela cidade mais de 200 caixas com os insetos

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Caixas foram instaladas em todas as praças de Tio HugoCaixas foram instaladas em todas as praças de Tio Hugo
Caixas foram instaladas em todas as praças de Tio Hugo
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O zigue-zague das abelhas que circulam livremente pelo restaurante do meliponicultor Neuri Mühl, em Tio Hugo, pode até assustar os clientes mais desavisados, que temem a possibilidade de serem picados pelo inseto. O homem de 62 anos, no entanto, é rápido em afugentar esse tipo de receio. Enquanto retira de uma das paredes do estabelecimento a caixa de madeira que abriga uma colmeia da espécie jataí e, sem qualquer tipo de proteção, mergulha uma colher no favo a fim de oferecer à reportagem uma prova do mel produzido pelos inofensivos insetos, Neuri explica se tratar de abelhas sem ferrão que podem ser encontradas em diversas residências e espaços públicos de Tio Hugo. É que, desde 2017, o município desenvolve um projeto de preservação destas abelhas e, por isso, espalhou pela cidade mais de 200 caixas com elas. A iniciativa é mantida em parceria com a Emater e conta com a colaboração dos próprios moradores para construir as caixas e adquirir as espécies de abelha.


Responsável pela elaboração e promoção da iniciativa, o engenheiro agrônomo da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Tio Hugo, Osvaldo Lima, explica que embora sejam pouco conhecidas, perdendo espaço de fama para as abelhas africanas (que possuem ferrão), mais de 300 espécies de abelhas nativas sem ferrão podem ser encontradas no Brasil. “Além de serem inofensivas e de produzirem um mel muito saboroso, com propriedades medicinais, elas são fundamentais para o meio-ambiente porque fazem um trabalho de polinização efetivo, responsável pela reprodução de cerca de 80% das plantas. Einstein mesmo dizia que, se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a humanidade teria apenas mais quatro anos de existência. Legumes, grãos, frutas, flores... É tudo graças à polinização das abelhas, mas infelizmente as pessoas desconhecem isso”, explica.


A ignorância acerca da importância das abelhas e problemas ambientais como o desmatamento e a incidência de queimadas têm deixado, inclusive, diversas espécies nativas ameaçadas de extinção. Um levantamento apontou que no ano passado, em apenas três meses, apicultores gaúchos encontraram mais de 400 milhões de abelhas mortas. “A espécie mandaçaia, por exemplo, não existe mais na natureza. Hoje pode ser encontrada somente em cativeiro”, comenta Mühl, que cria algumas caixas da espécie nos fundos do restaurante que gerencia. É que engana-se quem pensa que as três caixas instaladas na frente do estabelecimento do tio-huguense são as únicas mantidas por ele. Basta passar pela garagem do restaurante para visualizar, aos fundos, mais de cem caixas de madeira em meio a plantas e árvores, onde vivem 10 espécies de abelha. Conforme o engenheiro agrônomo, em cada caixa, podem viver até cinco mil insetos.


Renda extra


Andando em meio às caixas e às centenas de pequenas abelhas que sobrevoam o espaço, Neuri conta ter tomado conhecimento sobre as variedades de abelhas nativas graças ao projeto da Prefeitura de Tio Hugo, há cerca de três anos. O que começou como uma genuína curiosidade e encanto, a partir da instalação de uma única caixa em frente ao restaurante, logo transformou-se em um hobby e, depois, em uma fonte de renda. Hoje, além da centena de caixas junto ao restaurante, Neuri é dono também do meliponário Mühl, onde mantém em uma propriedade, junto com o filho, cerca de 600 caixas de abelha para extração do mel e para a venda das próprias abelhas. Uma atividade que, inclusive, tornou a relação entre pai e filho mais próxima. 


Há, por outro lado, quem se interesse pouco pelo aspecto financeiro da meliponicultura. Funcionário da Prefeitura de Tio Hugo, Luís Carlos dos Santos, de 29 anos, encara a atividade como um hobby quase terapêutico. “Eu me interessava por isso desde guri. Quando conheci o projeto, quis criar algumas caixas para passatempo mesmo”, conta. O carinho é tanto que, embora boa parte das caixas espalhadas por Tio Hugo sejam construídas e doadas por Neuri, Luís faz questão de construir suas próprias caixas. São cerca de 20 acopladas em um muro ao lado da residência do tio-huguense e protegidas por uma telha.


Conforme observa Osvaldo, além da geração de renda e da preservação das espécies nativas, o projeto tem também se mostrado benéfico ao incentivar a população a preservar a natureza e, ainda, plantar novas árvores e flores. “As abelhas não voam mais de 500 metros de distância de onde vivem, então é imprescindível que haja alimento por perto. Tio Hugo é bastante circundada por árvores e plantas, já somos naturalmente beneficiados, mas vemos que quem cria as abelhas em casa também tem se prontificado a plantar mais. O Neuri, por exemplo, criou um bosque belíssimo com flores, folhas, frutas... Ter essas caixas na cidade, mas em contato com a natureza, serve também como um turismo rural”, complementa.

 

Espaços públicos


Não é somente nas residências de moradores de Tio Hugo que o projeto marca presença. Há, pelo menos, duas caixas de abelha sem ferrão em todas as quatro praças, cinco escolas e uma creche da cidade – nesse caso, todo o mel coletado nas caixas instaladas em espaços públicos (que não for consumido pela população, que pode livremente abrir os recipientes), é doado às escolas do município para que o alimento seja usado para complementar a merenda escolar.


Segundo Osvaldo Lima, espalhar as caixas por espaços públicos é uma maneira de expandir o contato da população com o projeto e, mais ainda, difundir conhecimentos acerca da importância das abelhas para a polinização, equilíbrio ambiental e até mesmo a agricultura do município.O engenheiro agrônomo, que constantemente ministra palestras em escolas a fim de alertar os alunos sobre essas questões, salienta ainda que as caixas podem ser manuseadas por qualquer morador. “Elas ficam bem à mostra para os alunos verem mesmo. É muito mais fácil mudar a mentalidade de crianças do que de adultos, então essa educação na base é muito importante e esperamos poder levá-la, cada vez mais, a outros municípios. E as caixas servem também como um meio de estudo direto. Os professores têm ali, ao alcance, um material para ser analisado em diversas disciplinas”. O resultado, relatam algumas professoras, pode ser notado no interesse dos alunos, que animam-se em observar o trabalho minucioso ds abelhas dentro da caixa.

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