Símbolos pátrios presos entre as máquinas agrícolas com cartazes estendidos em apoio ao PL 490 chamaram a atenção dos motoristas que transitaram pelo Trevo da Caravela, em Passo Fundo, na segunda-feira (23) quando agricultores e movimentos representativos da classe organizaram uma manifestação em apoio ao Marco Temporal que voltará à pauta dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (25).
Em junho, dezenas de indígenas bloquearam trechos da ERS-324 em Água Santa em um novo protesto que se alargou até a BR-285, no entroncamento com a ERS-428, em Campo do Meio. Esses conflitos fundiários pela demarcação de terras, vazados às ruas através das reivindicações, poderão ter “alguns pontos finais” caso o recurso extraordinário receba parecer favorável, pondera a professora de Direito da IMED, Tatiani de Azevedo Lobo. "Haverá uma repercussão importante na região. Há possibilidade, sim, de haver uma aceleração nas demarcações a partir desse voto, mas precisamos lembrar do procedimento que depende de uma vontade política”, considerou ao mencionar “reflexos a longo prazo” por não visualizar interesse político em demarcar os territórios.
Sendo a região Norte gaúcha uma zona sensível para a delimitação das áreas habitadas pelos povos originários, cujo processo tramita em 15 municípios com 100 mil hectares de território somados, de acordo com a FUNAI, a jurista lembra que o direito de proteção surge com a promulgação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988. “Desde 2016, tivemos uma redução e paralisação das demarcações. A União parou de demarcar porque não há segurança jurídica tanto para os indígenas quanto para os produtores”, observou Tatiani.
Pontos polêmicos
Levado ao último recurso processual previsto, o processo iniciou com uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng em uma reserva biológica onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. “Se eu tenho terras indígenas, a propriedade é da União e os povos têm direito de posse e usufruto exclusivo da área. Se eu tenho uma reserva, a propriedade é do Estado de Santa Catarina. Esse foi o primeiro ponto de conflito”, embasou a docente especialista em Direito Processual Civil.
Em um voto extenso, o ministro Edson Fachin fixou o entendimento de que “a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios”. “[O texto] Ressalva a indenização das benfeitorias. Isso é importante porque a saída dos ocupantes de boa-fé sem nenhuma indenização é muito mais drástica que uma saída sem indenização”, disse. Em um cenário de avanço da demarcação, prossegue a docente, os históricos de hostilidade entre a população indígena e os produtores rurais serão levados em consideração. "O antropólogo precisa identificar a tradicionalidade da ocupação. Se ele encontrar algum proprietário envolvido em confronto com indígena, se comprova má-fé e não há direito a indenização”, sinalizou.
Texto-base
Apreciado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, o projeto para alterar os critérios de demarcação de terras indígenas não trata o assunto apenas no âmbito legal, mas traz outros temas polêmicos como o marco temporal, defendido pelos agricultores, que estabelece o reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros apenas sendo aquelas já habitadas na promulgação da Constituição de 1988, e mudanças na posse pelos povos originários com a possibilidade de instalação de bases, unidades e postos militares, expansão da malha viária, e exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico além de abertura das reservas para fins turísticos “organizado pela própria comunidade, sendo admitida a celebração de contratos, registrados na FUNAI, para a captação de investimentos de terceiros", segundo justifica o texto-base.
A retomada do julgamento será acompanhada com manifestações na região com previsão de pontos de aglomeração na BR-285 em Mato Castelhano, cidade que abriga uma área delimitada do povo Kaingang.