A comunidade indígena Kaingang Goj Kusá poderá ser desalojada do Horto Florestal de Água Santa após a área de, aproximadamente, 893.770m² ter sido arrematada em leilão em agosto do ano passado pela empresa Bimóveis – Administração e Participações.
O imóvel, que pertencia à Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa), foi avaliado em mais de R$ 3,4 milhões e é habitado pelas famílias da aldeia desde 2010. Apesar de não precisar quantas pessoas do grupo étnico residem no local em razão da mobilidade na tribo, onde “há famílias ingressando e saindo diariamente”, a secretária municipal de Assistência Social, Trabalho e Habitação de Água Santa, Débora Melara, afirmou ao O Nacional na quinta-feira (18) que há, ainda, duas escolas no território. “Nós ajudamos no que for necessário”, ressaltou.
Na quarta-feira (17), o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, para assegurar a permanência da comunidade indígena na aldeia através do processo de regularização fundiária que deverá ser realizada pelo Estado do Rio Grande do Sul.
Caso não seja possível, solicita o órgão judicial no processo, outra área “nas proximidades do Horto” deve ser identificada para que seja possível reassentar as famílias enquanto aguardam a conclusão do processo administrativo de identificação e delimitação de terra por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da União.
Sete anos de espera
Desde 2015, período em que o MPF instaurou o primeiro procedimento administrativo para acompanhar os trabalhos de reconhecimento territorial da comunidade tradicional, o acampamento São Miguel do Faxinal aguarda uma resolução no processo demarcatório.
Conforme lembrou o Ministério Público no documento, algumas tratativas entre a Cesa e o Governo do Estado para dar continuidade a uma desapropriação amigável do imóvel em questão foram informadas ao órgão federal ressaltando que as finanças do Estado não comportavam o pagamento da área e a Cesa, à época detentora da área, possuía dívidas ativas com a União.
A ideia, portanto, seria a regularização do território, com a participação da Funai, mediante um acordo no qual a Cesa entregaria o imóvel à União, descontando parte de sua dívida, e a entidade indigenista intermediaria para que houvesse a aceitação do Governo Federal, desde que o imóvel fosse destinado à comunidade indígena de Faxinal.
Em anos posteriores, menciona o MPF, o estado gaúcho sugeriu a possibilidade de criação de um “mecanismo de federalização das terras estaduais ocupadas por indígenas”. “Se aventou a possibilidade de utilização de diversos imóveis ocupados por comunidades tradicionais para compensação ou abatimento das dívidas do próprio estado do Rio Grande do Sul com a União, chamando-se a atenção para o fato de que, em 2015, eram 11 áreas, sendo depois incluídas outras, tanto que, em 2019, totalizavam 25 áreas”, ressalta o processo.
A partir disso, diversos imóveis, entre eles o Horto Florestal de Água Santa, foram avaliados segundo critérios construídos de forma conjunta entre Funai, o Incra e o governo do Estado. Apesar dos diálogos estarem avançando, alega o Ministério Público, e das tentativas do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepi) de estabelecer um diálogo com o Piratini a respeito do destino a ser dado à área em questão, a Cesa, “sem consultar a Funai e, principalmente, sem nenhuma consulta à comunidade indígena ali residente há anos", ofereceu em leilão o Horto Florestal de Água Santa nos autos de uma ação trabalhista, sinaliza a ação.
Reintegração
Em janeiro deste ano, a Bimóveis, vencedora do leilão, requereu judicialmente que os indígenas Kaingang desocupassem o imóvel e, embora não tenha sido atendido “no presente momento”, tampouco “afasta a possibilidade de que a ordem de reintegração de posse ainda venha a ser cumprida”, de acordo com o MPF. “Em 2020, a Justiça Federal de Passo Fundo condenou a Fundação a dar o devido andamento ao processo de identificação e delimitação de território em favor dos índios Kaingang acampados no distrito de São Miguel do Faxinal em outra ação civil pública proposta pelo MPF ainda em 2018, já tendo sido pedido o cumprimento provisório dessa sentença”, afirma o processo de tutela antecipada.
Na alegação de entendimento do MPF, “a postura adotada pelo estado e Cesa ao longo do tempo permitiu que se criasse uma situação de justa expectativa e boa-fé na comunidade Kaingang quanto à sua permanência no território”. “Em que pese a arrematação em leilão judicial, o próprio Estado manifestou interesse em que o grupo indígena permanecesse no Horto Florestal de Água Santa, por reconhecer que se tratava de uma situação consolidada e por não ter conhecimento da existência de outro local para onde ele pudesse ser transferido”, argumenta o órgão judicial.