Rossana Stella Oliva Braghini - Psicanalista
Aproxima-se mais um Dia do Médico e vale a pena comentarmos um aspecto desta profissão tão importante para todos nós. Refiro-me ao lugar ocupado pelo médico no imaginário da pólis.
Nos idos anos 60 tínhamos como as profissões mais consideradas o médico, o advogado, o prefeito, dentista, engenheiro e o alto funcionário do Banco do Brasil. Porém, de todos esses profissionais, lembro-me do tom grave e respeitoso da voz,que chegava a baixar de tom, quando referiam à pessoa do médico. Dr. Carlos... é médico. E o tom era tal, que entendíamos rapidamente que se tratava de um ser especial, pessoa a quem devíamos, senão uma subserviência respeitosa, uma admiração incondicional. E, claro, uma maior deferência era estendida aos seus familiares, que passávamos a ver com maior distinção.
Fica razoavelmente fácil entender essa admiração especial aos médicos: é aos cuidados deles que entregamos o único patrimônio que, se perdermos, não podemos recuperar, a nossa vida, em relação a qual, a imensa maioria de nós, tem muito apreço. Logo, não fica difícil compreendermos porque transferimos à pessoa do médico os atributos "a mais" que uma pessoa, por mais bem preparada, jamais teria. Porque isso aumenta em nosso imaginário nossa garantia de cura e diminui consideravelmente nossa angústia. E por incrível que pareça, com esperança renovada, aumenta mesmo nosso potencial de cura, já que, quanto mais confiança se tem, "mais o remédio faz efeito".
No entanto, sob o ponto de vista dos médicos, sempre me ocorre que pode ficar difícil trabalhar com tamanha idealização social de sua figura, que começa, aliás, ainda nos bancos da faculdade. Isso por dois motivos básicos: a) pelo médico ser colocado nesta posição de um Deus, aquele que tudo sabe e tudo pode curar, e que embora não seja, pode vir a ser cobrado por isto, através do imaginário social. b) se ele, o médico, se colar a esta identificação endeusada e ele mesmo passar a se cobrar a partir dela.
Bem, o discurso, o saber e a práxis médica têm, como qualquer outra, sua especificidade; e dos ônus e bônus de sua profissão sabe melhor quem a exerce. De qualquer forma, acredito que todos somos gratos a estes profissionais que nos acolhem em uma de nossas maiores angústias: a angústia da morte.