Os efeitos terapêuticos da cavalgada são muito estudados em crianças e adolescentes com problemas neurológicos ou cognitivos. Uma pesquisa, apresentada na Unicamp, mostrou que o uso terapêutico da montaria em cavalos, além de ser eficaz, pode dar resultados mais rápidos do que a fisioterapia convencional em pacientes que sofreram de AVC (Acidente Vascular Cerebral), por exemplo.
Durante 16 semanas, metade dos pesquisados voluntários recebeu três sessões de 30 minutos semanais de fisioterapia convencional. A outra metade realizou, na mesma duração, duas sessões de fisioterapia e uma de equoterapia. Foram dez participantes em cada grupo.
Entre os resultados mais significativos relatados no estudo estão a recuperação da habilidade de contrair e relaxar os flexores plantares (músculos dos pé), a melhora nos movimentos da perna, a melhora no equilíbrio e no padrão da marcha (forma de andar).
Em Passo Fundo, existe o Centro de Equoterapia, mantido pela parceria de diversas entidades: Universidade de Passo Fundo (UPF), prefeitura, Sindicato Rural, Brigada Militar e Cavaleiros do Planalto Médio. A coordenação geral do Centro é de Péricles Saremba Vieira, que conta com o apoio pedagógico da psicóloga Maira Meneguzzi, além de estagiários de diversos cursos da UPF, voluntários e internos do Case.
Em funcionamento desde 2003, o Centro atende dezenas de crianças, jovens e adultos de Passo Fundo e região, mas espera, para este ano, ampliar os recursos para poder atender mais pessoas e funcionar durante todos os dias da semana.
Medicina & Saúde - Quais casos são atendidos no Centro de Equoterapia?
Péricles Saremba Vieira - Atendemos crianças com paralisia cerebral, com síndrome de autismo, deficientes visuais e pessoas com distúrbios ósseo-musculares, como problemas de articulações, especialmente quadril e pernas.
M&S - Por que o cavalo?
PSV - O cavalo tem o andar que se denomina tridimensional, que é o movimento que se faz para cima, para baixo, para frente, para trás, para um lado e para o outro. Esse movimento se assemelha ao andar humano. Assim, zonas motoras do cérebro que não são estimuladas em virtude do sujeito não poder andar, são estimuladas pelo andar do cavalo. A cada passo que o cavalo dá, são transmitidos para o cérebro em torno 1.500 a 3 mil impulsos por segundo, que precisam ser interpretados. Além disso, o sujeito tem que estar buscando o ajuste de equilíbrio e isso ajuda todo processo neurológico e motor também. Junto a tudo isso, há a questão social, que é a interação com o animal de grande porte, que é dócil, é quente, a interação com todo o pessoal, os estímulos visuais que recebem e também os estímulos sonoros. Enfim, a gente estimula as crianças de várias formas.
M&S – Como são promovidos estes estímulos?
PSV - Depende do tipo de criança. Algumas interagem pouco com o material, mas interagem mais com o pessoal. Já os autistas têm uma capacidade maior de interação com o cavalo, o ambiente e o material. Com os deficientes visuais, por outro lado, é preciso haver nova alternativa, porque as deficiências deles são diferentes. Então, para cada caso, existe uma metodologia de trabalho diferenciado.
M&S - Quantas crianças são atendidas?
Maira Meneguzzi- São 76 crianças e adultos. Geralmente são mais crianças que adultos.
M&S – Neste tempo em que o Centro funciona vocês já observaram melhoras significativas nos alunos?
MM - A equoterapia é uma terapia de bons resultados. Nós observamos que os resultados são bem mais rápidos que uma fisioterapia clínica, onde a pessoa fica passiva. Os pais nos trazem bastante esse retorno e os neurologistas, os médicos deles, nos trazem essa resposta em relação à melhora, num espaço de tempo mais curto que uma fisioterapia convencional.
M&S – Para participar das atividades é preciso indicação médica?
MM – Sempre. São os médicos que indicam a equoterapia, então os alunos vem com atestado médico e indicação para este tipo de trabalho.
PSV – E tem autorização dos pais também.
M&S - De onde são os animais utilizados no Centro?
MM - Nossos cavalos todos são doados. São animais já com certa idade, que não têm mais a serventia para o antigo dono. Já para o Centro de Equoterapia esse tipo é o mais indicado, porque é um cavalo calmo, dócil, não é aquele animal agitado, que vai querer sair correndo. São realmente os cavalos ideais e não existe uma raça específica que seja a mais indicada, são mais as características desse tipo de cavalo mesmo. O bom é que nós temos cavalos de diferentes tamanhos, então temos animais mais fortes, mais encorpados, menores, mais baixos. Atendemos alunos de três a mais de 60 anos de idade, com isso temos alguns alunos mais obesos, então precisamos de cavalos mais fortes. Ou mais baixinhos para determinadas atividades que fazemos com as crianças. As que fazem exercícios fisioterápicos, que precisam fazer em cima do cavalo, deitados, para os terapeutas irem auxiliando, por exemplo, precisam de um cavalo mais baixinho.
M&S – O pessoal que trabalha no Centro é na maioria voluntário?
PSV - Sim, a maioria é de voluntários, cerca de 90%. Eles são de diversos cursos da UPF, como fonoaudiologia, medicina veterinária, educação física, fisioterapia, psicologia, serviço social, além de pessoas da comunidade que também nos ajudam. Temos também oito estagiários que a universidade remunera, dois professores e alguns recursos que a universidade ajuda também, como celas.
M&S – As mudanças, o crescimento, não são verificamos somente nos alunos que praticam as atividades no Centro?
PSV - Os estudantes que vêm participar dessas atividades mudam radicalmente a postura profissional ao participar do Centro de Equoterapia. Uma coisa é ver um deficiente em um slide e ler no livro quais são as características que ele tem. Outra é estar aqui, vivenciando, tendo que lidar com, por exemplo, um surto de raiva, uma negação, uma agressão ou mesmo a resistência de alguns alunos no início do trabalho. É uma série de situações em que o estudante se vê envolvido e que precisa aprender a lidar com isso na prática. Ver na teoria é uma coisa, na hora de ficar surpreso, com o que é imprevisível, tem que achar uma solução. Para pais é uma luta aceitar as diferenças de seus filhos e conviver com o preconceito que a sociedade faz. Por isso, o projeto, além de atendimento a essas crianças, produz este tipo de resultado, que é a mudança do profissional, a visão. Eles não vêm aqui obrigados, eles assumem o papel de terapeutas auxiliares, isso também deve ser destacado.
M&S – Qual o diferencial do Centro?
PSV – Quer sejam deficientes ou diferentes, como as pessoas queiram denominar... aqui nós não trabalhamos com o paciente, nem como cliente e nem como praticante. Aqui temos alunos. Eles estão envolvidos em um processo de aprendizagem, que inclui a tolerância, o respeito ao cavalo, o respeito às pessoas que estão auxiliando, a interação. Então, é diferente de fazer uma visão clínica, nós entendemos o Centro como um processo pedagógico, um espaço de aprendizagem e essa é uma grande diferença que nós temos da equoterapia tradicional. Aqui eles interagem. Enquanto estão aguardando a vez de iniciar, participam das atividades lúdicas, os pais estão conversando entre eles. É mais que uma atividade... os resultados são de fato bons.
Colaboraram
Péricles Saremba Vieira, coordenador geral do Centro de Equoterapia
Maira Meneguzzi, psicóloga, coordenadora pedagógica do Centro