O tratamento, nas diversas áreas, aos portadores de necessidades especiais, requer algumas habilidades diferenciadas. Isso acontece com os tratamentos dentários. Crianças com paralisia cerebral ou adultos com Parkinson, por exemplo, não conseguem se portar na cadeira do dentista como os demais pacientes, por isso o profissional precisa conhecer e utilizar técnicas que ofereçam o melhor tratamento possível.
Essa diferenciação nos tipos de atendimento dentro da odontologia já existe há várias décadas, mas é pouco difundida. Em Passo Fundo pelo menos uma profissional é especialista neste assunto, Paula Cristina Gil Ritter Fröhlich. É com ela que o Medicina & Saúde esclareceu as dúvidas sobre como são realizados os tratamentos dentários para portadores de necessidades especiais. Confira.
Medicina & Saúde - Atendimento diferenciado a portadores de necessidades especiais é uma nova especialidade da odontologia?
Paula Fröhlich - Sim, embora o entendimento dessa área como específica tenha dado seus primeiros passos na década de 1960. Há cerca de 20 anos, entretanto, essa evolução foi nítida, o que desencadeou o seu reconhecimento, no ano de 2002, como uma especialidade pelo Conselho Federal de Odontologia.
M&S - Quais as principais habilidades necessárias neste trabalho?
PF - É muito importante considerar o fato de que não existe uma forma única de tratamento, pois cada caso é único, com características peculiares, ainda que o tipo de doença ou necessidade especial seja a mesma. É imprescindível o conhecimento, pelo cirurgião-dentista, sobre técnicas de abordagem e manejo desses pacientes. São fundamentais os cuidados básicos com a terapia medicamentosa (analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e anestésicos locais) no atendimento a pacientes que requerem cuidados especiais, por se encontrarem neurologicamente ou sistemicamente comprometidos. O atendimento ao portador de necessidade especial pode ser realizado em nível hospitalar, quando necessário. Entretanto, é realizado no consultório odontológico na maioria dos casos, mesmo em pacientes com agitação, pois o especialista nesta área é capacitado a realizar sedação oral ou sedação consciente inalatória (óxido nitroso).
M&S - O que é preciso observar no atendimento a cada tipo de portador de necessidade especial?
PF - Para o atendimento desses pacientes é necessário, primeiramente, o trabalho em conjunto com equipes multiprofissionais especializadas, como médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas, entre outros, com o objetivo de oferecer atendimento integrado e dentro de toda a segurança que exige cada procedimento odontológico. É fundamental analisar o paciente integralmente, conhecer as reações orgânicas, avaliar as complicações advindas da evolução de cada doença, de forma que a atuação do cirurgião-dentista devolva, a esse organismo já debilitado pela doença, a saúde e a função de todo o sistema que compreende o conjunto de estruturas bucais. É importante destacar que “especial” não diz respeito somente ao indivíduo malformado; o aspecto de normalidade pode disfarçar doenças sistêmicas crônicas, como diabetes, cardiopatias, doenças renais e que requerem, também, adequação em seu tratamento odontológico.
M&S - E quando se trata de pacientes com Parkinson?
PF - A Doença de Parkinson possui alguns aspectos que devem ser considerados ao estabelecer-se um plano de tratamento odontológico. Muitos deles referem-se à dificuldade motora que o paciente adquire à medida que a doença evolui. As atividades de vida diária, que antes eram executadas com facilidade, passam a ser de difícil realização, como locomoção, higiene pessoal, higiene bucal e disposição para sair de casa, inclusive para ir ao médico e ao dentista. Nas fases iniciais da doença, o paciente ainda consegue realizar os movimentos de escovação, mas, à medida que a doença evolui, os movimentos não são precisos, o que requer o auxílio de um familiar para atingir um bom nível de higienização. Os retornos ao consultório odontológico devem ser frequentes, para que o profissional possa manter a higiene e a manutenção dos cuidados odontológicos. O cirurgião-dentista deve ter conhecimento também sobre o tratamento medicamentoso da Doença de Parkinson, para poder adequar o atendimento ao período em que o paciente estiver com os sintomas mais controlados.
M&S - Quando o atendimento é com crianças, existem outras habilidades requeridas?
PF - A abordagem de uma criança ou de um indivíduo com alteração comportamental, ou ainda com pouca colaboração com o tratamento odontológico decorrente de alteração mental deve se basear em amor, carinho e respeito. Todo paciente tem as mesmas necessidades psicológicas de se sentir amado e digno. O especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais tem formação para realizar o condicionamento psicológico do paciente. Além disso, a avaliação da relação familiar, assim como a estimulação de ambos ao tratamento é muito importante para se estabelecer um vínculo entre profissional, pais e criança. Dessa forma, a participação da família nos cuidados domiciliares favorecerá a manutenção do tratamento odontológico realizado e, principalmente, a prevenção de novas enfermidades bucais, melhorando a qualidade de vida.
Colaborou
Paula Cristina Gil Ritter Fröhlich, especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais pela Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic – Campinas/SP, membro da International Association of Disability and Oral Health (IADH), cirurgiã-dentista do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia (SNN)