A automedicação é um problema que pode até mesmo ser encarado como questão de saúde pública. Porém, em alguns casos, os danos desse tipo de atitude podem ser irreversíveis e comprometer seriamente a saúde. Um exemplo é o uso de colírios sem indicação médica. Tal como os demais medicamentos, os colírios servem para tratamentos específicos e são fabricados com substâncias que devem ser consumidas com cuidado.
Nesta época de calor, que facilita a proliferação de bactérias, cresce, por exemplo, a incidência da conjuntivite bacteriana, que é infecção da conjuntiva, membrana que recobre a pálpebra e a esclera, que é a parte branca do olho. O único tratamento eficaz é o colírio antibiótico. O tratamento precisa ser prolongado, mas usar colírio antibiótico por muito tempo diminui a imunidade dos olhos, predispõe à úlcera na córnea e outras infecções. Por isso, o tipo de colírio e o tempo que ele deve ser usado precisam ser indicados pelo médico especializado.
Já o colírio vasoconstritor, usado desmedidamente para qualquer vermelhidão nos olhos, é indicado apenas para irritações oculares. O medicamento clareia os olhos porque contém um princípio ativo que contrai os vasos. O problema é que o uso indiscriminado pode causar olho vermelho crônico, antecipar a formação da catarata, induzir à hipertensão e alterações cardíacas.
Outro colírio perigoso é o anti-inflamatório que contém corticóide. Isso porque a administração prolongada sem acompanhamento médico pode causar catarata precoce e glaucoma, doença assintomática que é a maior causa de cegueira irreversível. Mesmo o anti-inflamatório não-hormonal (sem corticóide) não deve ser usado sem acompanhamento médico, porque pode desencadear processos alérgicos.
Observar estas recomendações pode garantir a saúde dos olhos. É isso que explica o médico oftalmologista Julio César Somensi.
Medicina & Saúde - O uso de qualquer tipo de colírio requer indicação médica?
Julio César Somensi - É muito importante a orientação de um médico para uso de colírios, visto que são medicamentos que podem trazer efeitos adversos indesejados se mal indicados, podendo, inclusive, causar risco de perda da visão. Um exemplo, infelizmente comum em nosso meio, é uso de colírios que contenham uma substância chamada de corticóide. Se usada indiscriminadamente pode levar à formação de catarata ou até mesmo aumento da pressão dos olhos e glaucoma cujos danos a visão podem ser irreversíveis.
M&S - Colírios conhecidos como lágrima artificial também são prejudiciais se não usados de acordo com recomendação médica?
JCS - São cada vez mais frequentes no consultório dos oftalmologistas as queixas secundárias à síndrome do olho seco. O uso prolongado do computador e ambientes fechados com ar condicionado são exemplos de fatores ambientais modernos que contribuem para o desconforto ocular, principalmente no fim do dia. O uso dos colírios chamados lágrimas artificiais ajudam a amenizar esse incômodo. Porém, existem muitas doenças oculares e até mesmo doenças sistêmicas (do próprio corpo) como, por exemplo, as doenças reumatológicas, que podem se apresentar como olho seco. Além disso, existem lágrimas artificiais específicas adequadas para cada tipo de olho seco. Visto isto é importante destacar a importância da consulta médica para uma completa identificação de causas do olho seco e a melhor lágrima artificial a ser usada em cada situação.
M&S - Nos últimos tempos, ouve-se falar em pessoas que utilizam colírios indicados para o tratamento de glaucoma com o intuito de alongar os cílios. A que tipo de riscos esta pessoa está sujeita?
JCS - Os colírios para o tratamento do glaucoma têm como objetivo diminuir a pressão interna dos olhos. Esse é o seu efeito terapêutico esperado. Infelizmente, efeitos secundários indesejados podem ocorrer. Entre os mais comuns estão a vermelhidão ocular, o olho seco, a pigmentação da íris (parte colorida dos olhos), o crescimento dos cílios – não apenas dos cílios como também de pelos ao redor do olhos e de pigmentação da pele. Eles também podem deixar um gosto metálico na boca e causar dores de cabeça. Além disso, alguns colírios para o tratamento do glaucoma são contraindicados em pacientes portadores de doenças cardiopulmonares, pois podem exacerbar doenças como arritmias cardíacas e asma. Enfim, acredito que existam maneiras mais fáceis, seguras e baratas para alongar os cílios.
M&S - Quais são os casos em que existe indicação para uso de colírio?
JCS - Os colírios fazem parte do dia-a-dia do oftalmologista. Eles são usados em diversas ocasiões, desde o diagnóstico até o tratamento de determinada doença. São usados na realização de exames, como por exemplo, a dilatação das pupilas para exame de refração (óculos) ou para examinar a retina (fundo de olho). Podem ser usados também no pré e pós-operatório de cirurgias como forma de evitar infecções e diminuir a inflamação. São de vital importância no tratamento do glaucoma, uma doença crônica, onde uma das formas de controle se dá pelo uso contínuo de colírios.
M&S - Todo colírio é medicamento?
JCS - Colírio é uma medicação cuja via de administração são os olhos, ou seja, são produzidos para serem compatíveis com os tecidos oculares, devem ser prontamente absorvido pelos olhos para realizar seu efeito e causar a menor reação adversa possível. Diante do exposto anteriormente fica claro que o seu uso deve ser cuidadoso e acompanhado por um profissional habilitado – o médico oftalmologista.
Colaborou
* Julio César Somensi, médico oftalmologista, graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS em 2004, Residência Médica em Oftalmologia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre da UFRGS (2005 a 2007), especialização (fellowship) em Glaucoma Clínico e Cirúrgico no Hospital de Clínicas da UFRGS (2008 a 2009), título de Especialista em Oftalmologia pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO, membro Titular da Sociedade Brasileira de Glaucoma - SBG