Rossana Stella Oliva Braghini – Psicanalista
* Dois casacos de couro?
* Sim, dois casacos de couro. Deixa que eu te explique... é uma questão de economia. Vá que tu compres aquelas porcarias ecológicas que na segunda usada está tudo estragado... Isso aqui não, é couro legítimo, casaco para uma vida inteira! Ainda mais assim... no preto e no beje... cores clássicas... nunca saem de moda... vale muito a pena! Vou levar!
* Dois casacos de couro?
* Sim meu amor, mas deixe que eu te explique... isso aqui não é couro legítimo, é couro ecológico. Uma bagatela! Assim, posso comprar dois em vez de um... ainda mais nestas cores... marrom e verde-garrafa... combina com tudo... vale muito a pena! Vou levar!
* Mas há um mês tu me falaste justamente o contrário, qual o critério então?
* Há um mês nós estávamos em Gramado e agora estamos no Uruguai.
* E...?
* E... bom... o couro ecológico brasileiro é uma porcaria e o do Uruguai é ótimo!
Moral da história: sempre encontramos respostas racionais que justifiquem o nosso desejo, que em geral não tem nada de racional, e que, aliás, nem é para ter, já que se trata de desejo. Assim, se por um lado não precisaríamos nos sentir tão culpados por realizarmos nossos desejos, por outro lado, nem todos os desejos precisam ser satisfeitos, mas é de bom alvitre que sejam reconhecidos.
* Wilson, por que tu viraste à esquerda e não à direita?
* Não sei, não vi que já era a entrada da tal rua Escandinávia, mas deixa, não tem problema, eu entro na próxima.
* Acho que vai ser uma noite boa. A Glorinha e o marido são tão receptivos e gostam tanto da gente. Pensando bem... foi ótima a conversa que tivemos, porque se você não concordasse em sair mais... acho que o nosso casamento não duraria.
* Não, mas eu concordo sim... acho que a gente tem que sair mais mesmo...
* Até comprou GPS... Ué, cadê ele ?
* Comprei, mas esqueci em cima da mesa da sala. Mas não te preocupas que o mapa brasileiro está até baixado...
* Wilson, estas casas não me parecem com o bairro que a Glorinha descreveu... E por que vamos atravessar a ponte?
* Não entendi como vim parar aqui... Pior, agora não dá mais para voltar. Tem que fazer o retorno...
* Ah não, Wilson! Na casa dos seus pais de novo não!
Moral da história: a razão não comanda totalmente a ação. Há sempre uma fresta por onde o desejo pode sair independentemente do querer racional. De fato, não seria mentira, como disse Wilson, que ele gostaria de gostar de sair mais, para agradar a esposa. Mas o que de fato ele deseja é estar no aconchego de seu antigo lar, assistindo “madrugadão” com os pais. Resultado: Todo circo foi armado para que a estratégia do querer desse certo (até GPS comprado), mas não deu conta de dobrar o desejo. E terminou onde quis o desejo: na casa dos pais!
Quem deseja, alcança! Quem quer, nem sempre!
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