Rossana Stella Oliva Braghini- Psicanalista
Finalmente chega em nossas locadoras, para quem não teve oportunidade de assistir na “capital”, o filme Melancholia de Lars Von Trier. Quando o filme começa, lembra um pouco 2001 Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, só que às avessas, com a peculiaridade que é no final que compreendemos o sentido das imagens iniciais.
A história do filme avança de Justine (Kirsten Dust) à Claire (Charlotte Gainsbourg). Justine está indo para a festa do seu casamento – feita como ela quer - com todo cenário produzido à semelhança daqueles que tantos casais já concretizaram, para dar conta do que se aposta num casamento. O casamento de Justine não resiste nem ao final de sua festa. Por quê? Porque neste cenário assim concebido, que a cultura legitimou chamando de casamento, ela mesma deu um jeito de denunciar o véu imaginário que recobre toda a cerimônia com um toque de conto de fadas, aniquilando com a crueza real, aquilo mesmo que ela criou. Parece tratar-se de um aniquilamento mais amplo, já que na mesma festa ela torna também inviável seguir com seu trabalho, curiosamente no momento em que é promovida. Lembra um pouco o texto de Freud que fala da necessidade de fracassar que alguns têm, justamente quando triunfam, por um sentimento não sabido de culpa. O triunfo do fracasso neste caso é uma hipótese.
Na sequência temos Claire e o seu temor ao Melancholia. Este é um planeta que se aproxima inexoravelmente da terra em rota de colisão. Para os habitantes do nosso planeta nenhuma saída. Nenhuma opção. Apenas a certeza da morte. Claro, havia tido uma esperança, a de que desta vez o método científico funcionasse, ou seja, fosse infalível. Neste caso escaparíamos com vida, mas não funcionou. Falhou.
Podemos nos perguntar o que a história de Justine tem a ver com a de Clair? Várias coisas. Mas eu achei mais interessante um ângulo. Falo desta parte fixa, imutável, inexorável, que habita em nós “Justines” em maior ou menor grau. Essa parte que nos faz interpretar o mundo (e portanto nossa vida e nossos problemas também) de um ângulo só, com uma certeza bestial que esta é a única via, o que transforma nossa existência numa única perspectiva: sem saída. É essa parte rígida que se move cegamente em rota de colisão destrutiva. Rota de colisão destrutiva porque é ignorante. Rota de colisão destrutiva porque é assimbólica. Rota de colisão destrutiva porque não quer se mexer. É uma plasta que não quer trabalhar para parir símbolos que poderiam fazer surgir outras opções de trajetos. Só quer saber de gozar do seu sintoma mesmo que seja às custas de produzir mais morte do que vida.- 2012, começa aí um ano todinho pra você fazer diferente - diz uma voz feminina vinda da TV ligada. Sim, penso eu, nós (e mais ninguém) somos responsáveis por cuidar daquilo que nos produz dor, desde que não seja da ordem da fatalidade, evidentemente (contra as tsunamis pouco podemos fazer). Mas podemos tentar ultrapassar os paradigmas internos mais resistentes em nós mesmos. Não falo só de reconhecer a plasta que habita em nós e que não arrisca se narrar, que não arrisca sair de seu seguro e mortífero quadrado. Esta até temos uma notícia. O mais vivamente difícil é fazer diferente na atitude... É superar o orgulho e arriscar mudar esta “criança magnífica” que habita em nós.