Digressão nas Férias...

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Por Rossana Stella Oliva Braghini- Psicanalista

 

Nesta semana de férias em Santa Catarina, me ocorreu que ali seria um lugar que gostaria de morar num futuro próximo, mas sem deixar de ouvir meus analisantes. Deveria ter também uma ótima livraria como a Cultura, tudo isso obviamente à beira-mar... Como conciliar todos estes desejos? De qualquer forma comecei a flertar com alguns locais e o assunto sobre como gostaria de viver nos anos vindouros, inclusive o da assustadora aposentadoria, começou a ganhar terreno em diversos ambientes.

Uma das idéias recolhidas nestas conversas me surpreendeu bastante e me fez lembrar uma frase do psicanalista francês Jacques Lacan, que quando li a primeira vez me incomodou. Dizia ele para não esperarmos a evolução da raça humana. Cada pessoa tem que fazer seu próprio percurso, a cada vez. E ele tinha absoluta razão. Vai ver que é por isso que ainda viceja, mesmo entre as pessoas cultas, a idéia (um tanto surpreendente), que se pode viver mal hoje porque quando chegar a sonhada aposentadoria, aí sim teremos o reino dos céus. E finalmente... poderemos curtir e aproveitar a vida. Bom, pensei que todos já soubessem que isso nunca acontece. Nunca! Porque “aproveitar” a vida - seja lá o que isto signifique para cada um – é uma capacidade. Quem sabe aproveitar a vida, aproveita agora! E não estou falando do jargão barato das propagandas de cartão de crédito - a vida é agora, portanto gaste (goze) tudo já! Não! Insisto. Estou falando de que o simples transcorrer do tempo, como no caso a espera de uma aposentadoria, não trará de brinde no futuro, aquilo que não conseguimos conquistar durante toda a nossa existência: a aptidão de aproveitar a vida.

Lendo o último romance de Contardo Calligaris (A mulher de Vermelho e Branco) nesta mesma semana, o seu personagem, também psicanalista, Carlo Antonini, conta-nos o seguinte a respeito de como conduz seu trabalho: “prefiro enfrentar (dos analisantes) o desespero, a aflição ou mesmo a depressão a lidar com a vontade de aprender; sempre desconfio que a vontade de aprender sirva para esconder dores que não querem ser ditas e que permanecerão seladas. (O parênteses foi incluído por mim).

Eu acredito que seja isto mesmo: a competência e envergadura para aproveitar a vida não tem relação com o aprendizado didático, conselhos de quem quer que seja, ou seja fruto do pensamento racional lógico. Tem a ver com a capacidade de narrar dores que não querem ser ditas e querem permanecer seladas.

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