Por Rossana Stella Oliva Braghini- Psicanalista
Recebi um e-mail de uma de uma colega, Camila Savaris, sobre um escrito de Fabrício Carpinejar intitulado Retardo aos oito anos. Me interessei porque tenho lido algumas coisas aqui e acolá, deste poeta e jornalista, que me seduz pela sua lúcida e doce irreverência. Agora, fica um pouco mais claro de onde vem este “dom”.
No corpo do e-mail, logo que abri, tinha um laudo médico escaneado e em seguida seu texto que inicia assim:
"Mãe é exagerada. Sempre romantiza a infância do filho. A minha, Maria Carpi, dizia que eu fui um milagre, que enfrentei sérias rejeições, que não conseguia ler e escrever, que a professora recomendou que desistisse de me alfabetizar e que me colocasse numa escola especial. Eu permitia que contasse essa triste novela, dava os devidos descontos melodramáticos, entendia como licença poética. Até que mexi na estante do escritório materno em busca do meu histórico escolar. E achei um laudo, de 10 de julho de 1980, assinado por famoso neurologista e endereçado para fonoaudióloga Zulmira.
“O Fabrício tem tido progressos sensíveis, embora seja com retardo psicomotor, conforme o exame em anexo. A fala, melhorando, não atingiu ainda a maturidade de cinco anos. Existe ainda hipotonia importante. Os reflexos são simétricos. Todo o quadro neurológico deriva de disfunção cerebral.”
“Caí para trás. O médico informou que eu era retardado, deficiente, não fazia jus à mentalidade de oito anos. Recomendou tratamento, remédios e isolamento, já que não acompanharia colegas da mesma faixa etária."
Na interpretação de Fabrício, sua mãe decidiu transformar o desespero em esperança, apostar no inédito e afastar qualquer atitude que confirmasse a terrível sentença.
"Rejeitou qualquer medicamento que consumasse a deficiência, qualquer internação que confirmasse o veredicto. Poderia ter sido considerada negligente na época, mas preferiu minha caligrafia imperfeita aos riscos definitivos do eletroencefalograma. Enfrentou a opinião de especialistas, não vendeu a alma a prazo. Ela me manteve no convívio escolar, criou jogos para me divertir com as palavras e dedicou suas tardes a aperfeiçoar minha dicção. Na vida, a gente somente depende de alguém que confie na gente, que não desista da gente. Uma âncora, um apoio, um ferrolho, um colo. Se hoje sou escritor e escrevo aqui, existe uma única responsável: Maria Carpi, a Mariazinha de Guaporé, que transformou sua teimosia em esperança. E juro que não estou exagerando.”
Como disse minha colega, ela também agradece à mãe de Fabricio. Mas o que eu quero destacar, é que existem pais que ajudam as crianças a se tornarem sujeitos, porque eles mesmo o são; existem outros que confiam credulamente em tudo sem questionar, não por maldade, mas porque não são acostumados mesmo a pensar e a questionar o “modus operandi” do sistema; e existem ainda aqueles que buscam ativamente por qualquer sinal, qualquer traço fora do “normal”, melhor confirmar a doença que já espreitam em seus filhos, com o objetivo de melhor tamponar o seu mal estar frente a sua própria vida.