Muitas pessoas sabem o quão desagradável é a sensação de queimação, após as refeições, que se inicia na boca do estômago e irradia para o peito, em direção ao pescoço. O sintoma pirose, popularmente conhecido como azia, é um dos principais indicativos da doença de refluxo gastroesofágico (DRGE), uma doença que afeta aproximadamente 20% da população, sendo ainda mais prevalente em obesos. Hábitos alimentares inadequados, consumo exagerado de gorduras, chocolate, cafeína ou alimentos cítricos, excesso de peso, consumo exagerado de álcool e tabagismo são os principais fatores de risco para a doença.
O pesquisador da Universidade de Passo Fundo (UPF), professor da Faculdade de Medicina e doutor em Gastroenterologia, Fernando Fornari, é uma referência internacional no tratamento da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Com uma produção científica consistente, ele pesquisa a DRGE partindo do entendimento da doença, passando pelo diagnóstico e métodos de tratamento.
O refluxo gastroesofágico é um fenômeno fisiológico que ocorre após as refeições, porém sem causar sintomas ou complicações. Quando o refluxo passa a provocar tais manifestações, é considerado doença (DRGE). “O principal mecanismo subjacente ao refluxo patológico é uma disfunção da barreira anti-refluxo, representada por um sistema valvular que existe na junção do esôfago com o estômago”, explica Fornari, lembrando que alguns pacientes também podem apresentar como sintomas da DRGE a regurgitação, que é o retorno do suco gástrico até a garganta, geralmente após as refeições ou ao deitar, além de outros sintomas atípicos, como tosse, irritação na garganta, rouquidão ou dor no peito.
Trajetória de pesquisa
A aproximação de Fornari aos temas ligados à DRGE se deu quando o médico ingressou no Programa de Pós-Graduação Ciências em Gastroenterologia e Hepatologia da UFRGS, para cursar o mestrado sob orientação do professor Sérgio Gabriel Silva de Barros. O trabalho de pesquisa validou para a língua portuguesa um questionário americano que avalia sintomas da doença do refluxo e qualidade de vida. “Esse questionário validado vem sendo utilizado em vários estudos tanto pelo nosso grupo de pesquisa quanto por outros pesquisadores”, lembra.
A sequência de estudos deu-se com o curso de doutorado na UFRGS e, ao final de 2005, com um convite para cursar o pós-doutorado na Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, sob orientação do professor Daniel Sifrim. Esta oportunidade ímpar fortaleceu os estudos científicos e Fornari passou a publicar os resultados de suas investigações nos principais periódicos mundiais em gastroenterologia. “A partir dessa experiência do pós-doutorado, surgiu um número bem maior de produções científicas. Na Bélgica fiz testagens para a indústria farmacêutica e experiências em laboratório de fisiologia do esôfago. Em paralelo, fiz publicações sobre minha experiência em fisiologia esofágica e também em cirurgia bariátrica, como parte do mestrado do colega Carlos Augusto Madalosso, resultando em publicações nas principais revistas cirúrgicas do mundo”, relata.
Desde 2007 Fornari participa de todos os congressos americanos de gastroenterologia, sempre apresentando estudos científicos em forma de pôster ou apresentação oral. “Este ano apresentaremos em San Diego dois estudos que estão sendo realizados na UPF”, comenta. “E em outubro participarei como palestrante do 13º Congresso Mundial da Sociedade Internacional para Doenças do Esôfago, em Veneza, Itália, abordando o tema manejo diagnóstico de pacientes com DRGE refratária ao tratamento”, lembra.
Atualmente, Fornari acumula uma lista de 25 publicações internacionais em cinco linhas de pesquisa: Fisiopatologia dos sintomas da DRGE; Fisiopatologia dos distúrbios motores relacionados à DRGE; Hérnia hiatal deslizante e DRGE; Diagnóstico da DRGE; e Tratamento da DRGE. Professor pesquisador do CNPq, ele também comemora a recente aprovação de um projeto em edital universal do CNPq para recursos que servirão para montar um laboratório e incentivar as investigações científicas na Faculdade de Medicina da UPF. “É fundamental reconhecermos que há uma carência na pesquisa local e que essa área precisa de investimentos, o que é essencial não só aos pesquisadores, mas também aos estudantes da UPF e para a nossa comunidade”, relata o professor. Fornari ainda é professor do Programa de Pós-Graduação Ciências em Gastroenterologia e Hepatologia da UFRGS, atualmente orientando três alunos de doutorado e um de mestrado. Naquela instituição, ministra um curso intitulado Como escrever e submeter um artigo científico para publicação. “Estou sempre atento a novas ideias de pesquisa em esôfago. Gosto muito de inventar e testar metodologias de pesquisa e, depois de muito trabalho para a coleta de dados, a parte que mais me fascina: a escrita científica”, afirma.
Pesquisa auxilia no diagnóstico e tratamento
A trajetória que alia experiência prática e investigação científica não só aprimora o desenvolvimento das funções de Fornari, como também traz benefícios aos pacientes que ele trata. O contexto de entendimento da DRGE, os métodos mais avançados de diagnóstico e o tratamento da patologia são aprimorados. “O diagnóstico da DRGE é realizado na consulta médica, com detalhamento dos sintomas e análise de achados do exame físico. O teste complementar mais utilizado é a endoscopia digestiva alta, que pode confirmar o diagnóstico da DRGE na presença de esofagite de refluxo. Em casos selecionados, indica-se a pHmetria esofágica ambulatorial, capaz de mensurar a quantidade de refluxo ácido em 24 horas. No entanto, o exame mais moderno é a impedancio-pHmetria, apta a avaliar qualquer tipo de refluxo. Porém, este exame é ainda pouco disponível no Rio Grande do Sul”, explica Fornari.
Conforme o médico, o tratamento mais comum é o uso de medicamentos que bloqueiam a produção de ácido pelo estômago, aliado a recomendações para mudanças nos hábitos alimentares e estilo de vida. “O consumo de chimarrão também deve ser reduzido e em casos especiais indica-se o tratamento cirúrgico para controle da DRGE”, considera.
A DRGE costuma ser doença crônica, com impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes, com custos significativos, entre os quais o uso crônico de medicamentos e procedimentos diagnósticos, mas com baixa letalidade. “Há casos infreqüentes de complicações graves, como estreitamento do esôfago e câncer”, pondera o médico.