Por Rossana Stella Oliva Braghini - Psicanalista
Livro de memórias, seja na própria literatura ou nos filmes, está sempre associado com aquele momento de vida em que as pessoas param de trabalhar, a sombra da finitude começa a aparecer e elas entendem que é chegado o momento de escrever as suas memórias. Aqui fico em dúvida se é escrever ou re-escrever, porque as memórias já estão lá, inscritas na alma.
Porém ultimamente tenho pensado que o desejo de escrever memórias, além de poder lembrá-las uma a uma com seus detalhezinhos que nos farão reviver os momentos tão nossos, tenha a ver com outra questão, embora esta já não seja de pouca monta. Seria concernente ao desejo de transcendência do sujeito, que quer outra coisa para sua vida, além de suas meras repetições cotidianas, por melhor que estas sejam. Falo do trabalho, do lazer, da nossa forma de amar, dos cuidados conosco mesmos e com os outros. Falo de ampliar o circuito de vida, falo do desejo de expansão mesmo...
Voltando à questão das memórias, chego a uma conclusão, parcial evidentemente, como o são todas. Re-escrever memórias é uma das possibilidades mais privilegiadas que temos para conseguir uma certa transcendência na vida e inclusive de escrever memórias novas, mesmo que tenhamos 90 anos. Parênteses: leia-se aqui re-escrever memórias ou escrevê-las, metaforicamente, o que pode ser atingido escrevendo um livro por exemplo, fazendo um filme ou narrando-se em uma análise.
Dito de outra maneira: transcender , ampliar o circuito de nossa vida de prazeres e possibilidades , tem a ver fundamentalmente com a palavra, com o ato de narrar-se e alterar algumas formas de gozo, que a um só tempo nos fazem sofrer-usufruir, mas nos mantém mais ou menos acorrentados a um modus vivendi.