Por Rossana Stella Oliva Braghini - Psicanalista
Outro dia, falando com uma amiga, comentamos sobre a estranheza que ainda nos causava alguns comportamentos que pareciam já estarem assimilados na cultura. Um exemplo simples: pessoas marcam horários com profissionais (dentistas, cabeleireiros, médicos, psicanalistas) e se, por um acaso, decidem não ir à consulta ou descontinuar o tratamento, não se dão sequer o “trabalho” de avisar. Quando aconteceu para mim ou para qualquer outro profissional, fato que de alguma maneira testemunhei, me perguntei onde situar tal comportamento, se era uma questão de educação, no caso a falta dela, ou pior ainda: o outro sequer era considerado.
No fim de semana, preparando uma aula para nosso seminário de psicanálise, tomei contato com um artigo de Pierre Lebrun - Rumo à Generalização de uma Perversão Comum?1. Lebrun assinala que no século passado ainda tínhamos como vetor da cultura a transmissão da Lei Paterna. Isso quer dizer, entre outras coisas, que depois de um sujeito ser atravessado por esta Lei, jamais esqueceria a perfeita noção do outro como alteridade e como ser desejante. Dito de outra maneira, jamais esqueceria que o outro não é uma “coisa” que não precisamos levar em conta. As condições necessárias para que esta Lei opere se encontram junto à família. Na verdade, as condições já estariam lá antes da criança nascer. Porém, grosso modo, criança e mãe precisariam ser limitadas quanto à extensão de uma ser o universo da outra. Assim a criança compreenderia que não é a única coisa importante para sua mãe. Depreenderia também, por esta contingência, que não pode ser e/ou ter tudo no mundo. Ela captaria este fato na vivência cotidiana, posto que sua mãe não a tomaria como substituto de uma satisfação que deveria encontrar junto a seu marido. E o marido deveria estar posicionado de tal forma que sua mulher, a um só tempo, o desejasse e respeitasse sua palavra. Desta maneira, não haveria possibilidade da mãe fazer um “conluio” com seu filho às expensas do pai. Porém, se isso não se desse assim, se a família não fosse capaz de prover a criança destas prerrogativas, ainda haveria a possibilidade do laço social ser um "segundo sopro", na expressão de Lebrun. Este segundo sopro indicaria que o laço social teria aptidão para fazer com que o menino(a) ou adolescente se encontrasse com os interditos que não teve junto à sua família. Então, como adulto, seria capaz de conquistar o seu quinhão de prazer, posto que agora teria as condições psíquicas de pagar o preço de suas escolhas. Refutaria sem maiores dramas a ideia de gozar tudo de uma vez, como, para citar um exemplo, no consumo de drogas em larga escala e outras adições.
Na atualidade, entretanto, o laço social não dá conta do recado. Se a criança não puder encontrar o interdito dentro de casa, com a Lei do Pai, também não poderá contar com o "segundo sopro”. Como fazer? (Continua na próxima semana).
1. Lebrun, Jean- Pierre, A perversão Comum. Viver Junto Sem o Outro, Companhia de Freud, Rio de janeiro, 2008.