Por Dóris Maria Wittmann dos Santos
Estamos acostumados a atender nossas crianças no sentido de aplacar-lhes o choro rapidamente. Choro incômodo que vem perturbar a paz do mundo adulto, ou choro angustiante, por não sabermos ao que se deve.
Nos bebês muito pequenos, sentir uma necessidade, como a fome, por exemplo, proporciona dor e desencadeará uma série de comportamentos como movimento destinado a evacuar e interromper a dor. A mãe deve poder acolher o choro e as necessidades do bebê para representá-lo como algo significativo e bom, contribuindo para que ele sustente, no futuro, a simbolização pela palavra como forma de expressão.
Num período inicial a mãe deve satisfazer com presteza essa “dor-fome” do bebê. Posteriormente, vemos que o bebê aprenderá a esperar pelo alimento, pois sabe que a satisfação virá e começa a desenvolver mecanismos de espera para a satisfação. Um objeto para chupar, por exemplo, que pode ser a mãozinha ou o bico, aplaca tanto a sensação de fome por um tempo, como passa a satisfazer outro desejo que também aí se instala: o do prazer de sugar.
O ser humano é basicamente desamparado, precisando por longo tempo de outro que dele se encarregue. A mãe deve poder significar o choro da criança, não apenas a partir de si mesma e de suas necessidades, mas tentando compreender o que se passa com o pequeno ser. Uma mãe pode tender a interpretar como fome toda forma de desconforto que o bebê vier a sentir e oferecer sempre, como solução ao choro, o peito ou a mamadeira. Tenderá essa criança, na vida adulta, a saciar a sua angústia pela via do alimento, como a mãe o faz. Por esse motivo vemos famílias inteiras obesas, por exemplo, pois para além da existência de possíveis distúrbios metabólicos, existe a tendência a fixar modalidades e vias de satisfação que são derivadas das relações intimas e precoces da mãe com o seu bebê.
Inevitável é que por toda a vida iremos nos encontrar com mais situações de desprazer do que de prazer e que teremos de exercitar a espera e usar o recurso da palavra como intermediários capazes de expressar nossas dores e insatisfações. Uma criança cujo choro não é bem tolerado pelos adultos aprenderá desde cedo a se calar. Logo “compreenderá” que suas reações emocionais não são bem-vindas e, em seu lugar, podem instalar-se reações psicossomáticas muito precoces, como a asma, por exemplo. Se observarmos bem, veremos que acontece uma inversão nessas famílias. Ao invés delas, as famílias, se moldarem para receber o bebê e suas demandas, são os bebês que tem que se colocar a serviço de não perturbarem a paz dos adultos. Reações de apatia e desânimo não são saudáveis para os pequenos.
Quem já não teve a oportunidade de ver um bebê que tosse para chamar a atenção da mãe: se a mãe responde afetivamente, dizendo “que tosse que o nenê tem?”, por exemplo, o bebê repetirá a tosse mais forte. O que está posto aí não é o significado da palavra em si, mas o tom e o afeto com que é pronunciada. É isso que chama para a vida e é vida porque dá prazer e dá vontade de repetir.
Existe outro brinquedo que os bebês adoram, e nós também! Quantas gargalhadas arrancamos dos pequenos quando nos escondemos e depois reaparecemos lentamente? Geralmente as mães ou pais usam os “paninhos” para cobrirem o rosto e logo reaparecerem. O desaparecimento vem acompanhado de apreensão e um murmúrio. Os já maiorzinhos gostam, eles próprios, de arrancarem o pano e descobrirem que o pai ou mãe está ali. Aqui, muito precocemente, vemos o aparecimento do desejo de aprender – o objeto ausente reaparece e isso é mediado pelo desejo do bebê de recriá-lo, redescobri-lo, reconhecê-lo. É necessário que tenhamos paciência, tolerância e acolhimento para que o pequeno possa se expressar. As raízes do par complementar atividade-passividade se estabelecem muito cedo na vida e dependem da resposta emocional que os bebês recebem dos adultos significativos que os rodeiam.
Dóris Maria Wittmann dos Santos é psicanalista do projeto Associação Científica de Psicanálise