O bebê que se satisfaz no peito não chupa bico?

Saúde/Filhos

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Por Dóris Maria Wittmann dos Santos

 

Quem é mãe ou quem já acompanhou um bebê mamando sabe: o que acontece ali é muito mais do que o simples ato de se alimentar. Tudo começa com a ação instintiva de sugar para obter o alimento, mas, em seguida, se tudo corre bem, observa-se o bebê tendo prazer com o seio. O alimento passa a ser somente uma parte desta rica experiência: mama um pouquinho, fricciona os lábios no seio – como se estivesse procurando o que já está em sua boca -, brinca, dorme, acorda, volta a mamar.

No início é como se a mãe fosse uma extensão de si e é importante que o bebê possa sentir que pode controlar, regular a presença do seio e da mãe, que o tem a disposição, pois isso significa possuir um meio eficaz de por fim ao estado desconfortável que é a fome e o bebê vai se sentindo poderoso para lidar com as angústias.

Desta forma, a fome não é sentida apenas na barriga, mas como uma catástrofe que lhe assola por inteiro. As sensações que o bebê tem nesta idade estão todas ligadas aos órgãos dos sentidos - principalmente olfato, audição e tato - e ao aparelho digestivo: boca, estômago e intestino. O cheiro da mãe, por exemplo: quando um bebê novinho chora e vai para o colo da mãe é comum que pare de chorar - a reconhece pelo cheiro, pelo modo como o pega, mais do que pela visão – assim se constrói um sistema de traços no psiquismo que forma a imagem real interna que terá da mãe.

Em um primeiro momento, o bebê deve sentir que dispõe de meios para interromper a dor e tornar o mundo belo de novo para si, pois a experiência de dor é vivida, assim como a de prazer, como a totalidade da experiência psíquica em um determinado momento. Mais tarde, começa a dispor desta mãe apenas em momentos mais ordenados, pois a mãe não poderia estar permanentemente a disposição da criança e são importantes os momentos onde as mamadas vão se regulando e espaçando.

Há uma tendência nas mães a registrar o choro como fome e, portanto, de oferecer o seio como modo de suprir. Afinal, temos o seio, instrumento poderoso de satisfação.

O bico entra como um objeto intermediário neste desejo pelo prazer de sugar que não é nem o corpo da mãe, nem o corpo do próprio bebê. O bico pode ser rejeitado pela mãe ou pelo bebê – ou por ambos – mas sempre corresponde, em certo nível, a rejeição por qualquer coisa que se interponha ou substitua essa ligação quase umbilical entre o peito e a boca do bebê. Assim, vemos mães que ofertam demasiadamente o seio e por muito tempo, tendo dificuldades de se separar de seu bebê e deixa-lo crescer. Outras crianças chupam uma parte de seu próprio corpo, em geral, a mãozinha, mas pode ser uma roupa, tentando rememorar o prazer oral de sugar que remete também a presença materna. Este apego pode se tornar compulsivo. Nesse sentido, o bico é uma melhor oferta, pois se destaca do corpo e pode ser retirado.

Retomando: a proposição inicial de que o bebê que se satisfaz no peito não chupa bico é uma inverdade porque não existe satisfação completa e o bom seio deve ser um objeto também que falta. Ao faltar, impulsiona o bebê a se dirigir para outros objetos que se destinam a substitui-lo – assim se dá o crescimento. Quando o bebê chupa o biquinho, ele está alucinando o seio. Obviamente isso só se torna possível enquanto a fome não é o imperativo. Este é o rudimento da função do pensamento: quando pensamos estamos atualizando a presença daquilo que estamos imaginando e podemos sentir o prazer ou o desprazer ligado aquele evento. Isso só se constitui a partir da falta!

É neste jogo de união e separação, gratificação e privação, que esse pequeno ser se constitui. Que importante é que a mãe saiba com que está lidando tanto na criança quanto em si mesma, pois sempre somos remetidos aos nossos próprios conflitos enquanto criamos nossos filhos.

 

Dóris Maria Wittmann dos Santos é psicanalista do projeto Associação Científica de Psicanálise

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