Rossana Stella Oliva Braghini - Psicanalista
Um tédio nos assola. Logo começamos a buscar alguma coisa que imediatamente nos satisfaça. E em geral escolhemos qualquer coisa, em vez de escolher “aquela coisa”. Este é um dos dilemas mais recorrentes de todos nós, e por incrível que pareça, é onde mais nos abandonamos. O caminho que devemos percorrer para chegar ao que realmente nos satisfaz possui alguns percalços.
Em primeiro lugar, o objeto que nos satisfaria plenamente não existe. Existe o objeto que nos trará mais satisfação e o que trará menos. Mas insisto, o que nos traria 100% de satisfação não existe, por um motivo bastante simples. É que não conseguiremos reproduzir na realidade algo tão similar e, neste sentido, para nós tão perfeito, quanto aquilo que o nosso imaginário pôde criar. Talvez por isso que a lasanha que eu imaginei em minha mente dificilmente a encontre na realidade. O conjunto de situações fantasiadas não se desloca em bloco para a situação vivida: talvez a lasanha esteja demasiada quente ou demasiada fria; quem sabe um pouco de queijo a mais ou a menos ; ou a atmosfera não era aquela fantasiada para comer esse prato; ou quem sabe naquele dia o estômago não estava tão bem assim; ou ainda chegou aquela tia chata e todos perderam o apetite...
Posto isso, o segundo ponto é que, no tocante ao ser humano, o objeto que nos satisfaria pode estar impedido por alguma razão. Assim podemos trocar um bom namoro por uma boa panela de negrinho, que pode nos render alguma satisfação comê-la inteirinha, mas mesmo assim...ainda não era bem isso. De qualquer forma sabermos qual é o objeto que gostaríamos, já é muito. Mesmo que não tenhamos acesso imediato a ele, nos serve de guia para pensarmos como fazer para torná-lo acessível a nós em alguma momento de nossas vidas.
O pior problema para encontrarmos contentamento com o que escolhemos é justamente a nossa incapacidade de leitura do que desejamos. É certo que a decifração de tal objeto sempre encontra algum obstáculo. Podemos ter vergonha dele, podemos intuir o trabalhão que nos dará para alcançá-lo ou ainda é requerida uma escuta mais afinada do mais íntimo de nós para apreendê-lo. Como por exemplo, quando procuramos a exata palavra de um texto para expressar aquilo que queríamos dizer. Porém o que estou me referindo é outra situação: é a incapacidade de reconhecer o que nos deixaria mais alegres com a vida e nos acomodarmos assim.
Se no século XIX essa incapacidade esteve em larga escala ligada à repressão, não é o que acontece hoje. Atualmente parece existir, além de uma pobreza de recursos simbólicos ímpar, que por si só impede a tal leitura, um no sense, legitimado pela cultura, que pensar em si é perda de tempo. Ao contrário, termos tempo para pensar em nós mesmos é um luxo, que poucos se dão. E para completar, a mesma cultura vive a oferecer infinitos objetos, como se enquanto seres humanos pudéssemos nos subjetivar de uma forma mais íntegra com este oferecimento sem critérios, que nada tem a ver conosco, mas que muitas vezes compramos “esta lenda” como se tivesse.
O objeto que pode dar alegria à nossa existência pode até estar pendurado em um cabide à venda...mas ele é um dentre tantos...temos que aprender a lê-lo e decifrá-lo para podermos buscá-lo. Lembrando que objetos de desejo como “mais tempo” ou “ampliação do tecido simbólico”, “criatividade”, “coragem” e “dignidade” , não estão indicados em prateleiras de lojas ou farmácias.