Brincadeira de criança é coisa séria!

Saúde/Filhos

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Por Claudia Piccolotto Concolatto, Psicanalista

 

“Fui no mercado comprar limão

uma formiguinha subiu na minha mão

Sacudi, sacudi!

Mas a formiguinha não parava de subir

 

Fui no mercado comprar café

uma formiguinha subiu pelo meu pé

Sacudi, sacudi!

Mas a formiguinha não parava de subir”

 

Esta singela cantiga infantil, que as crianças costumam cantar acompanhada de uma interessante coreografia onde pezinhos e mãozinhas são prazerosamente sacudidos, carrega consigo um importante significado. Ela conta a história de uma criança que ao sair para experimentar coisas do mundo dos adultos - mercado, compras - é pega de surpresa por uma formiguinha insistente que segue percorrendo seu corpo mesmo que ela “sacuda, sacuda e sacuda”.

Imaginemos que essa formiguinha é o equivalente às sensações que brotam de dentro da criança quando a mesma é surpreendida por seus desejos. Assim a formiguinha é como uma excitação interna que assola o pequeno e da qual ela não pode fugir, então não adianta sacudir, ela segue a subir. Tais desejos e excitações, via de regra, emergem do contato da criança com os adultos.

A infância é um tempo de constituição de grandes movimentos psíquicos que organizam as vivências da criança no interior do seu aparelho psíquico. É o período da vida em que tudo precisa ser aprendido. Quando nasce o bebê precisa aprender muitas coisas, começando por respirar e sugar, um aprendizado que vai tornando-se cada vez mais complexo, se amplia para a capacidade de se comunicar, andar, relacionar-se com o mundo. Desde os primeiros tempos de vida da criança tudo o que ela aprende se dá na relação que estabelece com os adultos, primeiro a mãe, depois o pai, até que suas relações tornam-se mais amplas e percorrem inclusive ambientes externos a sua família, como a escola e a casa de amigos.

Esta relação será marcada pela assimetria essencial existente entre adulto e criança, a qual se caracteriza por uma posição passiva frente a um adulto ativo, que possui uma história e muitas experiências já constituídas.         Você pode estar se perguntando: o que isto tudo tem a ver com o brincar? As brincadeiras, para as crianças, também servem como via de elaboração do que ingressa dentro de seu aparelho psíquico a partir de todas essas experiências que brotam do contato do pequeno com os adultos.

Portanto, as brincadeiras são como tentativas de compreender, dar nome, fazer ter significado aquilo que vem de dentro e de fora da criança, que a inunda, para o que ela necessita encontrar uma representação psíquica e dar um sentido. Por isso, se observamos nossas crianças e é fácil perceber que elas brincam de ser gente grande: fazem comidinha, cuidam de filhos, dirigem carros, dão aulinhas, montam escritórios, usam sapatos de salto alto, exibem chaves de carros. Elas querem compreender como é a vida, desejam dar conta de seus medos, de suas angústias e excitações. Querem ser gente grande.

Brincar é um processo criativo e inteligente! É em parte constituir-se como alguém ativo, pensante, capaz de criar e transformar. Entre outras coisas, quando brinca, a criança inverte a posição passiva que originalmente ocupa em relação ao adulto, exercendo suas possibilidades de no futuro ser como ele. Porque quando brinca torna-se capaz de controlar o que ocorre e onipotentemente realizar seus desejos e pensamentos, por isso é uma ação ativa e criativa. 

Para a criança brincar é algo sério, importante, saudável e muito gostoso. Por isso quase tudo na vida das crianças é uma brincadeira, brincam com a comida, no banho, com a mochilinha da escola, com um pedacinho de madeira que encontram pelo caminho. De forma que, ao contrário do que muitos pais pensam, brinquedos caros não constituem o elemento básico para brincar.

O ato de brincar é muito natural para a criança, porém as intervenções e a presença do adulto podem ser muito significativas para preservar e estimular essa atividade como um espaço simbólico que permite a criança descarregar adequadamente suas excitações internas, lidar com suas frustrações e ampliar suas possibilidades de constituir-se como alguém capaz, ativo e inteligente.

Por exemplo, quando o pai brinca de carrinho com o filho e diz para ele “Nossa como o teu carro corre, olha vai ganhar!”, ou a mãe ao brincar de bonecas com a filha deixa que pegue uma bacia e banhe a boneca dizendo: “Ficou tão cheirosa com esse banho, que mãe querida tu és!”, permitem aos filhos importantes movimentos de constituição como sujeitos capazes de pensar e fazer coisas de valor. Ou quando a criança joga longe um brinquedo ou o manuseia de forma a estragá-lo e alguém lhe diz: “Não, pobrezinho do ursinho, assim ele vai chorar e ficar triste, vamos cuidar dele!” introduz através do brincar uma ação capaz de compreender sobre limites e regras importantes para conviver com os outros e ter consideração por eles.

Por isso, é muito importante que os adultos compreendam sobre o significado e a importância de brincar para as crianças. Brincar além de ser muito bom e sinal de saúde psíquica.

 

Claudia Piccolotto Concolatto é psicanalista do projeto Associação Científica de Psicanálise

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