Abdução

Coluna Malú Vargas

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Sou eu ou está passando muito depressa? Será que sou só eu que digo “não acredito que amanhã é sexta e não fiz metade do que tinha para essa semana”? Está sim, passando tudo muito rápido e não gosto disso. Já dá para começar a sentir uma eletricidade no ar, em certos meios. A gente vai sendo abduzido. Como sempre acontece nessa época do ano. Aquela sensação de que se piscarmos duas vezes, já é fim de ano. Novembro já se encaminha para a metade. Logo, logo vai se tornando mais difícil “habitar o próprio corpo” como dizem os iogues, ou seja, estar consciente de você, suas necessidades, sua vida.

Tudo começa e te leva de roldão, quase sem pausa para respirar. Primeiro as providências para o Natal, os presentes a ser comprados (é menino ou menina? Quantos anos ele tem? E a avó, do que ela gosta? Posso dar livros? Não?!) a comida a ser feita (há que encomendar cedo, você vai ficar sem chester, peru, farofa, arroz, sobremesa.) as bebidas, (para quantos? De que tipo? Sim, diet também.) quem vem, quem não vem, quem não disse que vinha, mas pode ser que apareça de última hora, quem se ofendeu porque não foi convidado e na casa de quantos temos que dar uma passadinha, sem contar os torturantes amigos secretos ou amigos ocultos, como queiram (mais conhecido como o drama de agradar com um presente de pouco valor alguém que você não conhece bem), os churrascos todos os fins de semana e a sua cintura aumentando, mais os coquetéis de fim de tarde, a reunião com os colegas de trabalho, o reencontro com os amigos, a expectativa de reencontro com a família – angustiante para muitos, reconfortante para um número de pessoas significativamente menor do que gostaríamos de admitir – , a completa falta de uma família no horizonte – e o vazio que isso pode acarretar – , o trânsito mais infernal do que nunca e o décimo terceiro que não deu para realizar tudo o que se esperava, as mágoas com os presentes recebidos que não cobriram toda a dívida guardada no peito e ainda os prazos, ah, os prazos que realmente nos levam a crer que o mundo vai acabar em 31 de dezembro, idéia que, em certos momentos, quase acarinhamos. Ufa. Respira.

Uma semana depois há que se estar pronto para grande nova incrível comemoração, dessa feita com o provável propósito de expurgar não apenas frustrações dos últimos doze meses, mas também o stress gerado pela expectativa e preparação da grande incrível comemoração realizada na semana anterior. E então muitos vão à loucura. O “bota-fora” vira exorcismo. Bebidas são consumidas em escala industrial, estradas lotam absurdamente, há urgência de se chegar ao mar, dar sete pulos nas ondas, abraçar todo mundo, se divertir é uma ordem, obrigação se despedir do ano que encerra e prometer ser, do dia primeiro em diante, uma pessoa que nunca se foi e nem se sabe quem é! Solução é agarrar algum transeunte e sugar a alma dele numa comemoração estilo zumbi ou ET, sei lá. Olha aí gente, amanhece e surge um novo eu! Uhu!

Porém em algum horário a gente acorda, olha o calendário e, enfim, mais um ano se passou. Um ano das nossas vidas. E, se bobear, talvez a gente não saiba onde esteve durante um mês e meio. É a abdução de fim de ano. Mas um dia ainda fujo para outro planeta.

 

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