Ora irritação, ora euforia, ora depressão. Esses estados do humor são conhecidos por todas as pessoas, mas quando representam uma perturbação, as mudanças podem representar o transtorno bipolar. As oscilações bruscas no humor afetam uma grande parte da população e, se não tratadas, podem levar a casos extremos que em muitos casos terminam em suicídio.
A boa notícia é que existe tratamento. Porém, uma vez diagnosticada a bipolaridade, é preciso tomar medicação sempre, para evitar crises ou um final trágico, especialmente porque costuma aparecer a partir dos 15 anos de idade, época da vida em que a pessoa passa por uma transição que, por si só, já é difícil. O importante é diagnosticar cedo e seguir corretamente o tratamento.
Conheça mais sobre este transtorno na entrevista com o médico psiquiatra Leonardo Alovisi Martins.
Medicina & Saúde – Como pode ser definida a bipolaridade?
Leonardo Alovisi Martins – O transtorno bipolar é uma perturbação do humor crônica, recorrente, que afeta pelo menos uma em cada setenta pessoas (estudos mais recentes chegam a apontar uma em cada 27 pessoas) e as coloca em alto risco de terem problemas familiares, profissionais, financeiros, abusar de álcool e de outras drogas, e até de cometer suicídio.
M&S – Como o humor pode sofrer estas alterações?
LAM – O humor é o nosso estado afetivo basal, difuso, que determina o modo como vivenciamos o mundo e as coisas. O transtorno é chamado de bipolar porque as oscilações do humor ocorrem entre dois polos – de cima e de baixo – opondo-se a depressão, em que a oscilação do humor ocorre em apenas um polo – o de baixo. Quando o humor oscila para o polo de cima – episódio de mania - o paciente vivencia euforia ou irritabilidade com diferentes combinações do que se segue: aumento da autoestima que pode chegar ao ponto de delírios de grandeza, aumento da energia com menor necessidade de sono, aumento da velocidade dos pensamentos indo de uma ideia a outra, aumento da velocidade da fala, distratibilidade, aumento de comportamentos impulsivos e voltados para o prazer como compras, atividade sexual, dirigir em alta velocidade, uso excessivo de álcool ou de drogas, sem que o paciente meça as consequências dessas atitudes. Esses episódios de mania se alteram com episódios em que o humor oscila para baixo – episódios depressivos – em que pessoa fica deprimida, sente-se mal e culpada, com baixa autoestima, em que se sente cansada, sem interesse pelas pessoas e pelas coisas, pessimista e desesperançosa, podendo chegar a pensar em suicídio.
M&S – Essas mudanças são momentâneas?
LAM – Os episódios de mania e de depressão podem durar de dias a meses, sendo que alguns pacientes vivenciam a mania e a depressão de forma simultânea, o que nós chamamos de episódios mistos. Além disso, uma parte dos pacientes ficam assintomáticas entre um episódio depressivo e maníaco, enquanto outros apresentam sintomas residuais.
M&S – A partir de que fase da vida pode aparecer?
LAM – Casos novos de transtorno bipolar têm sido reconhecidos em crianças pequenas, mas a idade típica do primeiro episódio é entre 15 e 19 anos. Um dado preocupante é que existe um intervalo de oito anos, em média, entre o primeiro episódio de depressão ou de sintomas maníacos e a primeira vez que o transtorno é diagnosticado e tratado. Entre outros fatores, isso acontece porque muitos dos pacientes preferem pensar que os sintomas que estão apresentando é resultado das situações e problemas que estão enfrentando do que de uma doença. Além disso, os sintomas de euforia são vivenciados de maneira positiva pelos pacientes. Sem falar que há uma chance 15% dos pacientes que inicialmente são diagnosticados depressivos sejam efetivamente bipolares.
M&S – É comum em crianças?
LAM – Não. Os transtornos de humor representam apenas 4% dos transtornos mentais diagnosticados em crianças. Porém, uma proporção significativa das crianças diagnosticadas e tratadas para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade apresenta, na verdade, transtorno bipolar.
M&S – Existe tratamento? São utilizados medicamentos?
LAM – O tratamento do transtorno bipolar possui como pilar básico o uso de medicações estabilizadoras do humor tanto nos episódios agudos de mania como de depressão. Ainda, após o primeiro episódio, há um risco de 90% de o paciente apresentar um novo episódio. Além disso, tem se visto que cada novo episódio predispõe a um próximo. Dessa forma, esse transtorno, agrava-se conforme o número de episódios que o paciente apresenta, por isso, é imperativo o tratamento profilático – o paciente deve continuar tomando cronicamente a medicação mesmo na ausência de sintomas para prevenir novos episódios. O tratamento farmacológico deve ser complementado por outras abordagens terapêuticas, como abordagens educativas a respeito do transtorno tanto para o paciente quanto para a sua família, com informações sobre a doença. Por exemplo: sintomas, períodos de crise, etiologia, curso, prognóstico e e estresses indutores. Também são indispensáveis informações sobre os medicamentos utilizados (dose, tempo de uso, efeitos colaterais, interações medicamentosas, controles laboratoriais), aspectos nutricionais, exercícios físicos. É de fundamental importância que o paciente e sua família sejam capazes de identificar o início de um novo episódio de mania, depressão ou misto. No estudo mais relevante já feito sobre a doença, o STEP-BD, revelou que a psicoterapia, mais especificamente a terapia cognitivo-comportamental (TCC), a terapia focada na família (TFF) e a terapia interpessoal e do ritmo social (TIPRS) melhoram o curso do transtorno bipolar, quando dada uma medicação em paralelo. Importante salientar que a mortalidade por suicídio no transtorno bipolar é de 29,2% em pacientes que não se tratam e de 6,4% em pacientes que se tratam.
Colaborou: Leonardo Alovisi Martins, médico psiquiatra