Rossana Stella Oliva Braghini - Psicanalista
Francisco Fianco – Filósofo
Rossana - O filme deste mês na Sala de Cinema, com o qual encerramos nossas atividades do ano, foi Quanto Mais Quente Melhor, direção de Billy Wilder, e no elenco Tony Curtis (Joe), Jack Lemmon (Jerry) e Marylin Monroe (Sugar). É uma ótima comédia com uma ou duas cenas impagáveis.
Muito sucintamente, trata-se da história de dois músicos desempregados na Chicago de 1929, que acidentalmente testemunham o Massacre do Dia de São Valentim, em que o vilão Spats aniquila Toothpick e sua gangue. Como são testemunhas chave, Joe e Jerry aceitam ir para Miami tocar em uma banda exclusivamente feminina, travestidos como Josephine e Daphne, respectivamente. E aí a aventura começa...
Achei interessante e divertido Marylin Monroe no papel feminino que subjetivou algumas gerações - da mulher loira, não “muito esperta”, como ela se definia, mas completamente sensual (sugar), capaz de enlouquecer milhões de marmanjos... mas que sempre se dá mal, como ela também afirmava. Isso porque buscava segurança nas relações, mas “misteriosamente” só se encantava pelos cafajestes. Mais do que nossa querida histérica de consultórios, até o início dos anos 60, este “kit” do feminino foi o papel esperado para uma mulher: linda e não muito esperta. O se dar mal e sofrer já fazia parte do gozo do sintoma, mas muitas vezes foi interpretado como sendo parte do próprio feminino, do próprio ser mulher. Eis a confusão entre a histérica e a mulher.
O que considerei inovador, sobretudo para um filme de 1959, foram os homens saindo do clássico papel do homem que não chora e aguenta tudo no “osso do peito”, para mostrar facetas, digamos... mais sensíveis (típicas do feminino) e atuais, como por exemplo, a necessidade de segurança ou ainda que o amor poderia prescindir do gênero.
Francisco Fianco - Sempre que estamos inteiramente inseridos em um contexto, se nos torna muito difícil perceber os pequenos detalhes que sustentam disputas de poder que permeiam as relações humanas. Isso se dá com muita facilidade em função da tendência da sociedade e das relações sociais operarem constantemente em dois níveis, o do interdito e o do realizado. Nossa cultura parece criar interdições especialmente para não respeitá-las, fetichizando a transgressão. Ao mesmo tempo, os esquemas de dominação, especialmente em função das relações de gênero, se sustenta por uma rede de estabelecimentos e acordos implícitos, baseados mesmo não apenas na superfície de uma construção cultural machista e patriarcal, que se organizaria arbitrariamente ao longo do progresso histórico, e sim, antes disso, em modelos de pensamento que sustentam essa violência simbólica, a partir da qual o dominado não percebe sua opressão porque só dispõe, em sua reflexão, das categorias de pensamento de seu dominador. Ambos estes aspectos podem ser exemplificados, através de uma narrativa cômica muito bem orquestrada, no filme que foi tema da Sala de Cinema deste sábado passado, Quanto mais Quente Melhor.