Quanto custa um sintoma?

Medicina & Saúde - coluna Rossana Braghini, psicanalista

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Escuto a voz corrente, de que psicanálise sai cara... que leva tempo... que é ótima... mas para os outros.

    Vou começar pela última das afirmações: é bem verdade que nem todos precisam de análise. Um sofrimento aqui e outro acolá fazem parte da vida. Além disso, é interessante que seja bem vivido. Por bem vivido entendo a capacidade de sentir dor e alegria em toda sua genuinidade. No caso da dor, não estendê-la mais do que pede a elaboração daquilo que causou a dor ?"EUR por exemplo, a perda de alguém querido. No caso da alegria, a não exigência de que esta seja constante. Calmo não é sinônimo de deprimido.

     Análise leva tempo? Depende. Uma vez comentei com minha mãe que não queria estudar piano, porque demoraria seis anos (segundo minhas contas infantis), para aprender a tocar bem. Ela me respondeu, que os seis anos passariam de qualquer forma; a única diferença era que, depois de transcorrido esse tempo, eu poderia estar tocando piano ou não. Em relação à análise, embora possamos dizer que ela não é milagreira, os efeitos costumam aparecer bastante rápido. O que ocorre é que cada analisante decide onde deseja chegar. Alguns querem resolver somente sintomas pontuais, outros descobrem outras posições e formas de estar no mundo e, com isso,  outro patamar de ideias e produções se descortina...

     A psicanálise sai cara?  Não. O que sai muito caro é o sintoma.

     Vejamos: Quanto custa de vida...

     *não encontrar um sentido para acordar pela manhã?

     *ter um trabalho perpetuamente entediante

     *não ter vida sexual ou amorosa (não por opção), mas por se sentir incompetente para isso

     *ter dores pelo corpo (bem doloridas, por sinal), sem correspondência orgânica?

     Quanto custa na vida...

     *viver humilhado por outrem por falta de coragem de tirar o tirano da posição de ideal?

     *repetir o mesmo sintoma do pai, do tio, do avô, sem ter a mínima noção de por que o repete, e odiando fazê-lo?

     *querer qualquer outra vida, menos a sua?

    Bem, poderíamos pensar, azar é do goleiro! O sujeito é que se rale. Já que não se responsabiliza pelo seu sintoma, fazer o quê?

    Mas não é bem assim. O Estado, sempre mais esperto do que nós, já se deu conta do quanto custa para ele, em termos financeiros é claro, uma pessoa deprimida. Mas existem outros preços. Quando a pessoa não está bem consigo mesma ?"EUR pode ser o  pai, a  mãe ou mesmo a  tia chata (sim, porque, acreditem, chatice é um sintoma) - os filhos, sobrinhos, enfim, o entorno, também sofrem as consequências. A frustração consigo mesmo costuma ser descarregada no próximo.  É como o cigarro: alerta o Ministério da Saúde que fumar faz mal  para o fumante e os que estão em seu perímetro de contaminação. O sintoma, seja  de quem for, polui igualmente o ambiente, e o seu diâmetro de lesão pode ultrapassar os que estão por perto no tempo e no espaço. Ele pode ser transgeracional. Aliás, bem que o Ministério da Saúde poderia advertir sobre isso também.

    Concluindo:  minha experiência de consultório confirma um dado.  As pessoas que dizem que análise é cara, que leva tempo, ou que é boa para o vizinho, não estão em análise.  As que estão já fizeram a conta da relação entre custo e benefício. Já sabem, ou vieram a saber, que não são sozinhas no mundo e que seus sintomas têm repercussão nelas mesmas e efeitos sobre os outros, sejam familiares, amigos ou colegas de trabalho. E, mais do que isso: sacaram  que o self made man  é um conto de narciso pra  narciso, lembrando que Narciso ficou preso em sua própria imagem idealizada e terminou definhando só.

 

Coluna publicada em 18 e 19 de setembro de 2010 (republicada pelas férias da colunista)

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