Por Tatiana Gassen
Final de ano é um momento paradoxal... Traz marcas de cansaço, desânimo ou tristeza, um estado de alma que comumente pode ser chamado de “depressivo”. Ao mesmo tempo, final de ano é tempo de festividades e, para muitos, de férias do trabalho e descanso com a família e amigos, tempo de presentes para as crianças, de décimo terceiro para os trabalhadores e expectativas para o futuro. Esses dois aspectos, mesmo que tão diversos, se combinam nos sentimentos que acompanham o período.
Eles têm relação íntima com o que representa esse momento: final de ano é marca da passagem do tempo! Marca que aponta simultaneamente para o fim de um período e o começo de outro. Concomitantemente, promessas para o futuro e a constatação de mais um ano que se tornou passado. Quase que inevitavelmente esse duplo aspecto nos propõe pensar o que foi feito dos nossos ideais, as expectativas que tínhamos para o ano passado, o que nós alcançamos e o que ficou na promessa. Final de ano é marca de que nosso tempo é finito, mais um ano de vida que passa. Marco limite, divisão e ligação entre passado e futuro, é tempo propício para retrospectivas e previsões pessoais. É um exercício que nos põe frente a frente com o que idealizamos na vida e com o que realmente alcançamos.
Início e fim de um tempo reunidos num único momento de festejo levam a uma questão interessante: não é possível mexer com o futuro – nem com o presente – sem intervir no passado. Obviamente, fatos acontecidos não podem ser alterados, mas o que concretamente aconteceu na história pessoal de cada um não é nossa essência. Somos fruto das marcas que cada vivência sentida impregna em nós. Eu sempre imagino a dificuldade de quem passa pela experiência de ser vítima de uma enchente, algum outro desastre natural ou algum crime em que se perdem as referências materiais – tudo o que se construiu: a casa, os móveis, as fotografias, os documentos,... Tudo aquilo que até então era seguro e perene se vai. O que resta então? Como as pessoas prosseguem? Não é tarefa simples aceitar perdas desse tamanho, mas, o que resta nessas situações é justamente aquilo que, em nos, é mais essencial: as marcas internas que nos tornaram aquilo que somos. Em lugar das fotografias, as lembranças de momentos vividos. Da mesma forma, quando passamos pela perda de alguém querido, aquilo que retemos na memória e no sentimento é o que sobrevive e pode ser transformado em vida. Uma questão de final de ano poderia ser: o que ficou daquilo que eu vivi nesse período? Do que foi feito, o que me marcou? E o que, daquilo que experimentei e que realizei, ficou marcado em mim? O que fez a diferença?
Final de ano é um momento que remete a essas marcas internas, num ritual que perpassa toda nossa existência: a virada de ano! É difícil lidar com a transitoriedade da vida, tendemos a nos apegar ao que temos e ao momento que vivemos como se fossem perenes e imutáveis. O final de ano é a marca de que as coisas não funcionam bem assim. Independente de ter sido um “ano bom” ou um “ano difícil”, o tempo passa, tudo se transforma, e a vida segue. Nós podemos reagir de maneiras diversas às mudanças de estação, podemos ficar melancólicos por aquilo que se foi ou podemos negar as mudanças e fincar pé numa segurança ilusória. Seja como for, aqui vale um provérbio que diz “você pode escolher o que plantar, mas será obrigado a colher o que plantou”. Nesse sentido, o novo ano que começa, pode servir tanto para repetir – de novo – as mesmas dificuldades, os mesmos problemas e o mesmo jeito de ser, ou para inaugurar algo “de novo” e de mudança em nós.
Por Tatiana Gassen, psicóloga do PROJETO Associação Científica de Psicanálise