O Bom Velhinho...

Medicina & Saúde - Este é o terceiro artigo da série Tempo de Muda, especial de final de ano preparado pelo Medicina & Saúde em parceria com os profissionais que assinam os textos. No total, a série vai apresentar cinco textos.

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Por Fabíola Giacomini De Carli

 

Vamos entrando em dezembro e o grande figurão do Natal está em todos os lugares: na televisão, nas lojas, nos filmes, nas decorações natalinas, dentro de nossas casas, o Papai Noel está totalmente incorporado a nossa cultura e aos desejos das crianças.

As crianças menores se encantam e ficam eufóricas. Muitas vibram ao se aproximar, outras sentem medo e choram, fazendo esforço para ter coragem de, vencendo angústias, abraçá-lo.

Quando vão ficando mais espertinhos, os pequenos começam a questionar “Tem presente pra todas as crianças do mundo?”; “é longe o Pólo Norte?”; “por que ele não aparece com as renas?”; “por que aqui não neva?”; “por onde ele vai entrar se não temos chaminé?”. Ficam imaginando, tentando entender, tecendo fantasias e criando suas próprias teorias sobre essa figura meio gente, meio mágica que é o Papai Noel. São enigmas que vão ficando por conta da imaginação e da fantasia de cada criança; eles são os meios que temos para elaborar e simbolizar nossos sentimentos e dificuldades.

Esse processo que vai desde começar a crer no Papai Noel até que se atinge seu desvendamento é importante para a vida mental da criança na medida em que favorece a imaginação. A investigação imaginativa dos enigmas propostos pela realidade é a base para a constituição da capacidade de pensar e para a criação de recursos para entender e interpretar o mundo, permitindo o desenvolvimento da curiosidade, da capacidade de problematizar, pesquisar e criar, ou seja, a própria inteligência. Fantasiar é preciso; fantasiar é saudável.

Nesse período, as crianças ficam eufóricas na expectativa com os presentes. Muitos pais tendem a limitar a figura do Papai Noel a uma espécie de saco de presentes perdida no apelo de um consumismo vazio dos tempos de hoje. Perdem, dessa forma, a oportunidade de se fazer presentes e restituir ao bom velhinho o lugar simbólico que representa a verdade dos atos realizados no ano e as noções do bem e do mal.

Vai ganhar presente quem se comporta direitinho.O Papai Noel é o cara que pode recuperar valores que parecem em desuso nos tempos de hoje. Afinal, precisa se comportar mesmo para ganhar o presente de Natal, ou se ganha de qualquer jeito? A idéia de “fazer por merecer”, implícita na figura do bom velhinho, não é a moda vigente. A existência de condições que precisem ser atendidas para que se mereça receber algo parece antiquada. As crianças simplesmente recebem, sem que precisem trabalhar para desvendar o enigma de como proceder para agradar o adulto representativo. Muitas se acham no direito de receber, e exigem os produtos, numa inversão do lugar de quem deve realmente saber o que a criança precisa para seguir sua vida. Ela exige, bate o pé, faz uma guerra e leva.

Nos ensinamentos do velho Noel aprendemos que o desenrolar da vida é feito de trocas, que precisamos dar algo de nós para receber do outro. A entrega da chupeta ao Papai Noel é um exemplo do quanto é possível, num pequeno gesto, mostrar à criança que, para receber algo bom na vida e crescer, temos que nos recusar a exercer os prazeres primitivos e infantis tão custosos de abandonar. O desenvolvimento da nossa vida depende disso. Enquanto não pudermos recusar a nós mesmos ou não pudermos ajudar aos nossos filhos a se recusar o prazer que os estados de funcionamento regressivos proporcionam, não há desenvolvimento humano verdadeiro.

O bom velhinho deixa claro que todos os ganhos na vida têm um custo, que nada vem de graça, que toda conquista leva um tempo, que se tentarmos abreviar, correremos o risco da superficialização da vida, custo muito maior de arcar. Ensina que fins não justificam os meios. Que não podemos fazer qualquer coisa, de qualquer jeito, para realizarmos nossos desejos. Esses são gestos e oportunidades simples de transmitir condutas permeadas pela ética e pela consideração entre as pessoas.

A riqueza do Natal está em entendermos realmente que aquilo que a criança pode receber não está somente no objeto, mas no aprendizado que se pode construir através dessa experiência. Assim é que se chega a entender que o bom velhinho pode ser um papai, uma mamãe ou qualquer pessoa que faça parte de nossa vida, exercendo conosco a função paterna que tanto precisamos para nos tornarmos pessoas de bem.

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