Qualidade de vida é a receita para que as pessoas possam se prevenir e evitar as chamadas dores crônicas. O alerta foi dado pela neurologista Norma Fleming, responsável pelo Laboratório de Cefaleia da Clínica da Dor do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A recomendação é que as pessoas não tenham sobrepeso para não sobrecarregar as articulações e aumentar a possibilidade de ter artrose, dor articular, dor lombar. “Se você mantém o seu peso adequado, se mantém atividade física, boa alimentação, pode evitar a dor crônica”.
Segundo Norma, de modo geral falta capacitação dos médicos para lidar com pacientes com dores crônicas. “O paciente com dor crônica é diferente do paciente com dor aguda”. Ela explicou que a dor aguda é um fenômeno importante para o corpo humano, “porque é um sinal de alarme para nos manter vivos”. As dores agudas podem resultar de fraturas, por exemplo, de um infarto do miocárdio, de peso excessivo que a pessoa carrega.
“Já a dor crônica é aquela em que ela passa a ser a doença. Ela não é sintoma de infarto ou de fratura. É a perpetuação de um estímulo e perde a função de alarme. É um fenômeno complexo, porque gera alteração emocional e cognitiva”. Isso significa que o problema do paciente de dor crônica não se resolve com analgésicos comuns.
Segundo Norma, o paciente necessita ser tratado por uma equipe multidisciplinar, que inclua fisioterapeutas e médicos da dor - que vão usar medicamentos que atuam no sistema nervoso central, como antidepressivos e anticonvulsivantes, que aliviem a dor - além de psiquiatras e psicólogos para tratar a parte emocional. Ela lamentou que não existam ainda, no país profissionais especializados no tratamento de dores crônicas em quantidade suficiente.
De acordo com a Associação Internacional para o Estudo da Dor (Iasp), uma melhora de 40% no nível de dor crônica já é considerada uma grande melhora. “Em muitos casos, a gente não consegue tirar a dor, mas consegue causar alívio, sim”. A Clínica da Dor do Hospital Universitário Pedro Ernesto foi a primeira clínica multidisciplinar do Brasil para o tratamento de dores crônicas. Além de um laboratório geral, onde são atendidos pacientes com lombalgias, a clínica dispõe de laboratórios específicos de cefaleia (dor de cabeça), câncer terminal e acupuntura.
Norma , que também é diretora científica da Associação para o Estudo da Dor do Estado do Rio de Janeiro (Aderj), defendeu a educação continuada para médicos que queiram aprender a tratar da dor e a melhoria da qualidade da medicação disponível para os pacientes, tendo em vista o seu custo, em geral bastante elevado. “Quanto mais você ensina, melhor as pessoas vão tratar. Educação é a condição básica para melhorar o atendimento”, definiu.
Os tipos mais comuns de dor crônica são as lombalgias, cefaleias e dores neuropáticas. Atualmente, além de centros especializados privados, apenas os hospitais universitários brasileiros dispõem de dedicadas ao tratamento de pacientes que apresentam dores crônicas. As vagas, contudo, são limitadas. “É claro que a gente não consegue dar conta da demanda toda. Seria necessário que isso fosse multiplicado na maioria das clínicas de saúde”. A média na unidade do Hospital Pedro Ernesto é de cem atendimentos por mês.
Norma lembrou que o fator emocional faz parte do fenômeno da dor, embora não seja a causa principal. “É raro a gente pegar alguém na Clínica da Dor que tenha uma dor emocional. Mas é muito comum a gente ter um paciente que está com dor crônica e que ficou, por conseguinte, com uma alteração emocional. Ou, então, tem dor crônica, passa por um problema emocional e a dor piora muito, porque a emoção faz parte da fitopatologia”. A médica advertiu que no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pode haver pessoas que manipulem os sintomas da dor. Somente exames multidisciplinares podem comprovar se aquela dor crônica alegada existe de fato ou não.
Estudos modernos indicam que a genética pode contribuir para a dor crônica.”Tem determinadas famílias que têm maior probabilidade de desenvolver dores crônicas do que outras. O fator genético teria alguma influência”. Não existem dados, contudo, sobre como essa influência ocorre.
No momento, o ambulatório de cefaleia da Clínica da Dor do Hospital Universitário Pedro Ernesto estuda as dores de cabeça em pacientes idosos. De modo geral, a dor da artrose é mais comum nos idosos do que nos jovens, à exceção de pessoas jovens que pratiquem esportes de alta performance, como atletismo. “Esse vai ter artrose e vai ter dor. Ele convive com dor o tempo inteiro”. Em compensação, as enxaquecas (dores de cabeça contínuas e persistentes) costumam acometer os jovens na faixa dos 20 aos 40 anos, “quando começa a cair a atividade produtiva”.
Norma disse que nessa mesma faixa se inserem as lombalgias, em especial entre os 30 e os 50 anos. “Essas dores que são altamente incapacitantes, se não forem tratadas adequadamente, pegam as pessoas em plena fase produtiva. Elas devem ser tratadas adequadamente, para [mandar] essa pessoa o mais rápido possível de volta ao trabalho”. Se a volta à atividade que a pessoa exercia não for possível, a função deverá ser adaptada, sugeriu. “Não deixar a pessoa cair naquela situação de não poder trabalhar”. Nesse caso, a readaptação de função é saudável para o paciente.
Segundo a neurologista, a abertura de clínicas especializadas no tratamento da dor deveria ser uma prática frequente nos hospitais de todo o país e não somente nos hospitais universitários.
Agência Brasil