O tempo da cura

Medicina & Saúde - coluna semanal da psicanalista Rossana Braghini

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Se existe algo que mata toda a criatividade é termos que serqualquer coisa o tempo inteiro: responsáveis, felizes, divertidos, inteligentes, ricos, capazes, etc.,  sem que,  em nenhum momento,  tenhamos permissão para sermos o contrário do ideal que estipulamos para nós mesmos.

 

Eu acredito que a maioria dos psicanalistas  tenha vida em seus consultórios,  justamente por permitir que preocupações não bem vistas socialmente, tenham voz:  inquietação com o botão do casaco que a costureira não alinhou como deveria; com o carro do tamanho desejado que o sujeito não conseguiu comprar;  com a cara feia do vizinho para como ensacamos nosso lixo;  enfim, desassossegos que se colocássemos,  ainda que para um amigo íntimo,  seriam considerados questões pequenas  rapidamente acrescidos  da resposta pragmática : “ahh... não te preocupes com a opinião do vizinho,  ele não tem nada a ver com tua vida.”   E o sujeito responde: “ tu tens razão”, para não parecer idiota ou chato, mas continua angustiado. Para a maioria dos psicanalistas, estas apreensões são tão legítimas e importantes como, por exemplo,  problemas com a educação do filho,  com a falta de desejo sexual, com uma doença incurável, tidas culturalmente como mais cabíveis.

 

Logo,  não encerramos a questão pelo seu simples enunciado. Queremos ouvir a particularidade daquele tema para aquela pessoa. E isto é genial, porque através do botão não costurado a contento, derrama-se em palavras,  o universo singular daquela pessoa,  em torno do qual ela  consegue detectar sua questão fundamental, que até então não era vislumbrada nem por ela mesma (e muito menos por nós). Por isso ouvimos com muita atenção antes de fazermos qualquer intervenção. A violência aqui seria uma resposta que silencie o sujeito antes que ele tenha conseguido circunscrever  o que o angustia.

 

Tudo isso é ótimo, bem vindo e muito prazeroso.  Porém, o que testa nossa competência aos limites, enquanto analistas,  é a repetição sintomática dos pacientes. Por duas razões:  a primeira é porque eles sofrem e nós somos testemunhas disso, e a segunda,  é que nós ficamos parcialmente impotentes, já que  aquilo que podemos e soubemos fazer já fizemos ou estamos fazendo.

 

Não tem nada mais cansativo e deprimente que experimentar a impotência cotidianamente. A parte boa é que de tão penoso,  isto faz com que estejamos constantemente  estudando e buscando formas de aprimorar nosso trabalho. A parte ruim,  é que muitos analistas desistem e passam a ser professorais ou superegóicos com seus pacientes, no intuito de se livrar do peso.   Em resumo,  cansam de ser psicanalistas.

 

A cura tem seu tempo e conserva alguns mistérios quanto à sua rota. Talvez essa seja a castração que o analista deva aceitar.

 

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