Pesquisa com 270 portadores de transtorno mental internados em hospital geral revela que 35,6% são tabagistas, número superior a média nacional, que é de 17,6%. O estudo, realizada pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, também mostra que o tabagismo é mais comum nos portadores de transtornos mais severos, como a esquizofrenia. De acordo com a enfermeira Renata Marques de Oliveira, autora do trabalho, os profissionais de saúde devem conhecer melhor o problema para realizar intervenções que levem ao abandono do tabagismo e evitar que pacientes não-fumantes desenvolvam dependência.
Inicialmente foram entrevistados, por meio de questões estruturadas de identificação, 270 portadores de transtorno mental, independente de fazer uso ou não de tabaco, internados na enfermaria psiquiátrica do Hospital das Clínicas de Marília (interior de São Paulo). Desse total, foram identificados 96 tabagistas (35,6%), os quais, além de responder as questões estruturadas de identificação, relataram por meio de questões abertas o sentido do tabagismo em sua vida. O número de tabagistas é superior a média nacional, calculada em 17,6% pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O estudo também mostra que 84,4% dos pacientes identificados como tabagistas já tentaram abandonar o tabagismo alguma vez na vida, porém a maioria (67,7%) não recebeu qualquer tipo de apoio profissional”, destaca Renata.
“O tabagismo é mais frequente entre os portadores de transtornos mentais severos (esquizofrênicos, do humor e da personalidade) e está associado a maior tempo de diagnóstico, número de internações psiquiátricas, uso de álcool e de substâncias ilícitas”, conta a enfermeira. “A severidade da dependência nicotínica está associada a transtornos do espectro esquizofrênico, maior idade e comorbidades físicas”.
De acordo com Renata, o estudo revelou diferentes sentidos do tabagismo para o portador de transtorno mental. “Ente eles estão o prazer, distração, automedicação dos sintomas psiquiátricos, alívio dos efeitos colaterais dos medicamentos, facilitação das interações sociais, alívio da solidão, autocontrole, proteção e segurança”, afirma. “Também é atribuído o papel de fornecer ajuda para esquecer os problemas e enfrentar a não aceitação de suas limitações, autodestruição (para os pacientes internados após tentativa de suicídio), companheirismo e sentido para a vida.”
Tabagismo e esquizofrenia
A pesquisa identificou que há diferença no sentido que os esquizofrênicos atribuem ao tabagismo em relação aos portadores dos demais transtornos. “Segundo declaração dos próprios pacientes, o cigarro é algo insubstituível, um refúgio para os problemas decorrentes da esquizofrenia, sendo tão necessário quanto respirar”. O trabalho foi orientado pela professora Antonia Regina Ferreira Furegato, da EERP, com financiamento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O estudo é descrito em dissertação de mestrado apresentada na EERP em setembro de 2012.
Renata aponta que um aspecto discutido na literatura e relatado pelos entrevistados é o alívio dos efeitos colaterais das medicações psiquiátricas proporcionado pelo tabaco. “Apesar desse aparente benefício, deve-se considerar que o alívio dos efeitos colaterais ocorre devido à redução de cerca de um terço da concentração das medicações na corrente sanguínea”, ressalta. “Na realidade, quando o esquizofrênico fuma ele reduz a dosagem das medicações. Como consequência, as medicações psiquiátricas deixam de apresentar o efeito terapêutico desejado e o transtorno é agravado”.
De acordo com Renata, o tabagismo nos transtornos mentais também envolve uma questão histórica e cultural dos serviços psiquiátricos que por muitos anos utilizaram o cigarro como uma das ferramentas do cuidado para ajudar a controlar o comportamento dos pacientes, incentivar a participação nas atividades terapêuticas e facilitar o convívio. “Portanto, é um tema complexo que envolve aspectos históricos, culturais, fisiológicos, psicológicos e sociais”. A enfermeira ressalta que os resultados da pesquisa servirão como base para a elaboração de programas de intervenção ao tabagismo.
“´É preciso capacitar os profisisonais de saúde para lidar com o problema e escutar o paciente para compreender o sentido que o cigarro tem em sua vida e investigar sua motivação para parar de fumar”, recomenda. A enfermeira também alerta que todos os esforços devem ser realizados para evitar que os pacientes comecem a fumar na internação. “Para muitos deles o início do tabagismo pode ser um caminho sem volta. Embora se reconheça o direito de autonomia do paciente, no momento do surto psiquiátrico o paciente não tem condições de decidir se quer ou não começar a fumar.”