Entender o processo que levou a essa independência feminina é muito importante para que possamos dar ainda mais valor ao que temos e somos. Nem sempre foi fácil, talvez nem mesmo o seja agora, em uma sociedade que vive carregada de clichês e preconceitos escondidos. Em uma breve entrevista, Jacqueline Ahlert , professora da Universidade de Passo Fundo, explica como se deu o processo de evolução do papel da mulher na sociedade e como ela é vista em pleno século XXI.
Mix - Há alguns anos, as mulheres eram educadas para servirem apenas aos interesses de maridos, pais e filhos, aos poucos essa realidade foi mudando. Como se deu esse processo?
Jacqueline - As concepções baseadas nos “papéis” e na “condição feminina” - compreendida como um estigma de todas as mulheres, referente às suas características biológicas -, tiveram inúmeros expoentes de crítica através da história. O século XVIII marca o aparecimento das mulheres na cena pública e, em alguns casos, como mentoras políticas. No decênio seguinte houve manifestações femininas reivindicando a igualdade dos direitos trabalhistas, morais e políticos. Mas é no século XX, sobretudo a partir da década de 70, que se firmaram as teorias que ambicionam (e de certa forma ainda ambicionam) romper com as perspectivas anteriores. O movimento feminista foi o maior responsável pela mudança de paradigmas nos âmbitos privado e social. O exemplo da gradativa politização da vida privada, pois dissolveu algumas relações e poder embutidas no convívio entre homens e mulheres, na família e na esfera pública em geral. As questões de gênero passam a ser objeto de estudo da psicologia e das ciências sociais. Nas pesquisas percebe-se a busca por compreender os processos de dominação patriarcal, constituição como sujeito e relações identitárias, ressaltam a importância do contexto histórico-cultural, emocional e normativo dos comportamentos. O estudo das múltiplas identidades, não somente da mulher, mas do sujeito pós-moderno proliferaram a partir dos anos 80.
Mix - Em que momento a mulher começou a perceber que ela também poderia ter autonomia e sair de casa?
Jacqueline - Apesar de já haverem mulheres inseridas num mercado de trabalho a partir do sec. XIX, é durante o sec. XX que esta prática vai se consolidar. Não por “capricho”, ou algum tipo de “vontade de independência”. O que leva as mulheres a assumir trabalhos antes restritos aos homens é a necessidade. A participação dos homens na I e a II Guerras Mundiais impulsionaram este movimento. A autonomia feminina está vinculada a uma série de outras conquistas, como direitos políticos, uso de anticoncepcionais, liberdade de expressão – que abrangem formas de vestir-se, portar-se, representações cinematográficas e midiáticas. A partir destes impulsos os cargos ocupados por mulheres só aumentaram. Mas, no Brasil, foi somente na Constituição Federal de 1988 que, por lei, considerou-se que: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.
Mix - O que significou para a sociedade essa atitude? Como a gente pode descrever o perfil da mulher hoje? Qual é a imagem que a mulher moderna passa?
Jacqueline -A validação do potencial feminino no mundo do trabalho foi acompanhada pela liberdade de escolha das mulheres entre o profissional e familiar, bem como pelas pressões da “perfeita performance” em ambos os domínios. O grande desafio que se impõe é a conciliação entre as exigências sociais, pessoais e profissionais. Há, no entanto, a liberdade de opção por uma vida predominantemente profissional, ainda que com cobranças vindas, sobretudo, do meio familiar, onde mães esperam para serem avós e que se reproduzam, ao menos em alguns aspectos, as normativas dos “papéis” anteriormente citados. Por fim, o grande desafio que as mulheres enfrentam atualmente parece não estar vinculado a questões de trabalho e direitos, mas a questões morais e de representação. Facilmente nos voltamos para “antigamente”, referindo-nos a “época” em que as mulheres eram submissas e viviam para agradar aos homens. No entanto, representações da cultura de massa, amplamente aceitas, difundidas e repetidas ratificam mulheres do tipo “fruta”, como artigos expostos em feiras, prontos para serem escolhidos, consumidos e descartados. O termo “pegar ou peguei a fulana” para designar um envolvimento com o sexo oposto que deveria ser afetivo, resume a complexidade das reproduções das atitudes machistas e autoritárias que ainda se submetem homens e mulheres.