Por Daniela Pilla Della Méa
Quando falamos em infância, ou quando conversamos com as pessoas sobre esta época inicial da vida, não é raro escutarmos: “ah, era uma fase ótima, sem responsabilidades”. Entretanto, aparentemente sem compromissos, é uma etapa que exige certa dose de esforço e renúncia.
O corpo cresce, se desenvolve. O mesmo ocorre com o aparelho psíquico. No início, é como se fosse uma folha em branco, que vai sendo escrita, “marcada” ao longo da vida. O bebê recebe estímulos desde os primeiros minutos após seu nascimento. Eles vêm de todos os lados, a todo o momento, através do que escuta, do que vê, do que sente com os cuidados corporais que recebe do outro, ou seja, do pai, da mãe, da babá, etc. Porém, este serzinho não tem, ainda, as ferramentas necessárias para dar conta disto que entra de uma forma desorganizada. Ainda não consegue, sozinho, proteger-se disto que o invade. Não tem um aparelho psíquico organizado em sistemas, um ego desenvolvido que consiga entender o que vem de fora e o que vem de dentro, que detecte, entenda, organize e transforme esta energia em combustível psíquico.
Para dar conta disto, então, cabe ao adulto, nos primeiros momentos, fornecer ajuda à criança. É ele quem vai ser capaz de traduzir, de ligar, de colocar ordem no que até então está caótico, enigmático. Ao mesmo tempo, então, que este adulto traduz, também oferece à criança os meios para que ela própria vá dando conta deste plus. Por exemplo, quando a mãe possibilita à criança que ela use o bico, está ajudando a dar um destino para que certa energia seja descarregada, e de uma forma que é prazerosa para a criança, além de, também, ser um processo inicial de renúncia ao seio materno, provedor do alimento e de prazer.
Seguindo o caminho, chega o momento de abrir mão novamente... Está na hora de abandonar o bico, e, mais uma vez, é fundamental a ajuda do adulto. Quem sabe a criança se questione: “como assim, me deram, agora querem me tirar... mas é tão gostoso...” Num primeiro momento, certamente ela abrirá mão do bico para não perder o amor de seus pais. É um momento importante, constitutivo do psiquismo, faz parte do crescimento. É um trabalho que exige parceria: do lado da criança, um temor de perda do amor, pondo a prova o sentir-se amada, e do lado dos pais, a possibilidade de traduzir, de explicar, de fornecer meios substitutivos de obter prazer. Por exemplo, não é raro as crianças darem o bico para o Papai Noel, já que “menino bonito e grande não chupa mais bico...”.
Quando existem falhas neste processo de constituição psíquica, o que muitas vezes aparece no consultório são crianças com dificuldade de saber os limites entre o eu e o outro, o dentro e o fora, o que é meu e o que é teu. Não conseguem fazer ainda a separação entre realidade externa e interna, e o que surge como queixa, por exemplo, são crianças que têm medo dos barulhos, ou do escuro, ou que se machucam com frequência (já que não percebem bem o tamanho e o limite do seu corpo). Sinais, então, que denunciam que algo não está indo bem. Enfim, infância exige trabalho. Trabalho interno, sofrido, mas fundamental para o desenvolvimento da criança, e que precisa muito da ajuda dos pais.
Daniela Pilla Della Mea é psicanalista vinculada à Instituição Psicanalítica Constructo-POA