As tragédias humanas e os sentidos para a psicologia

Medicina & Saúde - artigo de Israel Kujawa

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A liberdade individual é essencialmente um produto social, e existe uma relação de mão dupla entre as disposições sociais que visam expandir as liberdades individuais e o uso de liberdades individuais não só para melhorar a vida de cada um, mas também para tornar as disposições sociais mais apropriadas e eficazes – Amartya Sen

Ao teorizar sobre a tragédia, o filósofo grego Aristóteles faz referência à catarse como uma situação na qual os humanos apreciam assistir ao sofrimento dramatizado. Sob a ótica da psicologia, catarse é o experimentar da liberdade em relação a alguma situação opressora, tanto as psicológicas quanto as sociológicas, através de uma resolução que se apresente de forma eficaz. A cultura predominante impõe excessos crescentes para vida das pessoas, forçando todos a transitar pelo mesmo caminho de transbordamento. Os exemplos de transbordamento que causam problemas sociais e pessoais graves, dificultado o bem viver são fartos. Para ilustrar com um exemplo este raciocínio é relevante lembrar a tragédia social/psicológica causada pelo incêndio a uma boate na cidade de Santa Maria, que causou a morte de centenas de pessoas, na qual o transbordamento pode ser visualizado inclusive na relação entre o número de pessoas e o espaço físico. Em um ordenamento possível para descrever este exemplo podemos elencar três atores: O empreendedor (os donos da boate), o consumidor (os seres humanos que estavam curtindo) e o estado (responsável em assegurar justiça na relação). O empreendedor, legitimamente organizou um negócio para ganhar dinheiro, numa sociedade neoliberal, em que o mercado e a livre concorrência são diretrizes. Nesta lógica, para o empreendedor, o mercado justifica a existência, a disponibilização de produtos que assegurem retorno financeiro, sendo possível identificar a boate, o espaço de diversão, como produto a disposição dos frequentadores que desejassem fazer uso na condição de consumidores. Mesmo numa sociedade livre como a brasileira, as relações entre empreendedores e consumidores são regulamentadas por leis e instituições vinculadas ao estado, que tem função é assegurar justiça na convivência entre as partes. Frequente acusado de opressor das liberdades individuais e entrave burocrático para os empreendedores, o estado será responsabilizado pela omissão ou falta de atuação. O empreendedor será responsabilizado por visualizar o lucro imediato, como valor supremo, que se sobrepõem aos demais valores. Os familiares terão a oportunidade de refletir sobre as condições necessárias para assegurar o bem viver. Por fim, a sociedade em geral, vivenciou uma grande catarse oportunizada pela mídia que dramatizou o sofrimento humano. A tragédia de Santa Maria deve oportunizar a reflexão, a percepção de inúmeras tragédias cotidianas. Talvez, um aprendizado seja perceber a necessidade de buscar constantemente o sentido e, com ele, novas informações e conhecimentos, que acompanham a trajetória dos seres humanos em geral e da cada pessoa em particular. Na identificação, caracterização deste sentido pode ser usado diversas palavras com conexões que devem ser explicitas. Entre as palavras que sintetizam este sentido pode se optar por palavras como bem viver, qualidade de vida, felicidade, subjetividade, sentimento, afetividade, segurança, etc . No entanto, o pensamento científico instituído, que organizou o modelo educacional em vigor, foi constituído e legitimado com ênfase nas particularidades, especificidades, especialidades, formalidades, objetividades, cálculos, razões, etc...  Ocorre que a relação e as conexões entre o sentido do primeiro e do segundo grupo de palavras não se localiza na área de abrangência prioritária da atuação científica. Talvez, uma das pistas para compreender o sentido para a psicologia esteja no seu envolvimento com mundo da vida, com a necessidade de aproximação entre o formal e acadêmico com o prático, com o vivido, com a necessidade de aproximação homem e natureza. Sendo o mudo da vida, a mediação nas relações do cotidiano, a relação homem natureza, referências relevantes para a construção dos conhecimentos que ajudem a psicologia cumprir o sentido de auxiliar no BEM VIVER.

 

Israel Kujawa é professor de Sociologia e de Psicologia Social e Comunitária  da Escola de Psicologia da IMED e doutorando em psicologia no PPGPSI da UFRGS

 

 

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