Atualidade e força do pensamento de Freud no século XXI

Artigo de Francisco Carlos dos Santos Filho.

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Por Francisco Carlos dos Santos Filho

 

Em seis de maio de 1856 o vilarejo de Pribor viu nascer Sigmund Freud. A pequena cidade – atualmente com menos de 10.000 habitantes, situada na República Checa – não imaginava que aquele bebê se tornaria o homem mais biografado do Século XX e que deixaria como herança a inestimável riqueza de uma obra que transformou a concepção de homem e é hoje patrimônio cultural da humanidade.

Médico de formação, Freud tinha na pesquisa sua verdadeira vocação. Em virtude de seu amor pela verdade chegou a descobertas sobre a alma humana e as enfermidades nervosas que alteraram nossa forma de ver o mundo. Entre essas descobertas está a de que os pensamentos mais acessíveis à auto-observação e à percepção consciente não permitem entender o sofrimento psíquico nem as enfermidades da alma. Eles não nos levam muito além de racionalizações que estão muito longe de oferecer esclarecimento e muito menos resolução do sofrimento. É preciso, portanto, ter acesso a níveis mais profundos do funcionamento psíquico. A esse nível, que nos habita, mas que desconhecemos, Freud chamou “O Inconsciente”.

Dedicado a escutar seus pacientes de uma forma inédita até então – solicitando que expressassem seus pensamentos de forma mais livre possível para, então, pôr-se a ouvi-los – Freud realizava com eles uma viagem às profundezas do psiquismo. Trabalhosa e intensiva, esta investigação dos processos mentais ocultos sob as manifestações que estão na superfície, entrega a razão e o sentido para o sofrimento, os sintomas e os sonhos. A esse método de investigação – que é também um tratamento – Freud chamou “Psicanálise”.

Graças a ela foi possível alcançar outra importante descoberta: a vida mental infantil, que povoada de desejos e fantasias complexas, exibe configuração muito diferente do paraíso ingênuo no qual até então se acreditava. Depois de Freud, a imagem de uma criança que não pensa, não deseja e não entende nada do que se passa ao seu redor é impossível de sustentar. Não tenho dúvida alguma em afirmar que parte da “invenção de infância” se deve a Freud, especialmente o reconhecimento do papel estruturante dos vínculos precoces: as relações familiares, relações entre pais e filhos e relação mãe-bebê.

Trabalhando com pacientes, Freud inventou aos poucos uma disciplina psicológica que dá coerência e orienta os fatos psíquicos do desenvolvimento infantil. Engana-se quem pensa que a psicanálise é uma disciplina do individual. Ela é uma ciência da singularidade. Seus conceitos são ferramentas para entender e intervir nas mais diversas formações da cultura: instituições, comunidades e grupos, cuidados de saúde, direito, arte, cinema, literatura, música, poesia, história, filosofia e religião, para citar algumas. Não se pode imaginar o homem moderno sem lançar mão da noção de inconsciente. “O mal estar na Cultura”, “Psicologia das massas”, “Moisés e a religião monoteísta” são textos que sustentam vigorosa atualidade e transmitem a força de um conhecimento vivo, abrindo caminho para o estado atual de compreensão da nossa cultura – a cultura do espetáculo – e das novas enfermidades psíquicas que delas derivam: a violência, os estados de pânico e de desamparo, as doenças psicossomáticas, as anorexias, o abuso das drogas e do consumo.

Freud está citado entre os dez escritores mais lidos do século XX e entre as dez pessoas mais influentes deste século. Suas contribuições para a nossa cultura e nosso tempo são tantas e tão amplas que seria impossível descrevê-las neste espaço. Uma delas, simples e relevante, é a respeito da angústia. Freud ensinou que a angústia tem a função de sinal, ou seja, de indicar quando existe algum risco de que o sujeito sofra um traumatismo mais grave. Esse sinal de angústia permite a mobilização de defesas e evita que o pior aconteça. Além disso, a angústia é um sinal de que algo não vai bem com a pessoa, como se fosse uma febre psíquica, um sinal de alerta, e não a própria doença. Vivemos numa época em que a angústia recebe sempre uma conotação negativa, sendo combatida como se ela fosse a própria doença, e não um sinal ou sintoma: confunde-se enfermidade e sintoma. Para aprofundar esta e outras questões importantes homenageamos, no dia 06 de maio, no PROJETO – Associação Científica de Psicanálise, o aniversário de Freud bem a seu modo, com trabalho. Tivemos uma reunião científica sobre a difícil tarefa que o jovem profissional da psicologia enfrenta para escolher, dentro da vasta quitanda de ofertas de terapias disponíveis, um caminho profissional sério e comprometido a seguir.

 

Francisco Carlos dos Santos Filho é psicanalista

 

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