Imaginemos uma criança em idade escolar, inteligente, sem déficits neurológicos ou sensoriais, com um bom desenvolvimento neuropsicomotor até então, para a qual foi e está sendo oferecida uma estrutura adequada para a aprendizagem, e que tem uma dificuldade muito grande para aprender a ler. Podemos estar diante de uma Dislexia do desenvolvimento, que é um distúrbio neurobiológico inesperado, específico e persistente para adquirir habilidades de leitura, sendo um dos distúrbios mais frequentes de aprendizagem. A mesma tem forte base genética (comprovada pela ocorrência de casos familiares e de concordância em gêmeos monozigóticos) e ao mesmo tempo é modulada por fatores ambientais. Há uma inabilidade de processamento fonológico, onde o portador de dislexia não consegue “quebrar” as palavras em fonemas (e este é o código de reconhecimento cerebral para as palavras), a partir dos seus circuitos cerebrais, e desta forma haverá prejuízos para identificar, compreender, armazenar na memória ou recuperar da memória a palavra.
Conta-se um fato ou uma história para um disléxico e, caso ele não tenha outro tipo de distúrbio associado (por exemplo, desatenção), saberá perfeitamente interpretar e recontar o fato. Em geral, também não terá problemas para copiar literal mente o que está escrito. Porém faz-se um ditado a ele ou pede-se que leia, e as dificuldades serão muito grandes.
A base biológica no cérebro encontra-se em alterações corticais sutis, distribuídas principalmente em áreas de linguagem, anomalias de migração neuronal, envolvimento do tálamo, cerebelo... e muita coisa, provavelmente, ainda para ser descoberta pelas pesquisas.
Algumas características do portador de dislexia do desenvolvimento: impossibilidade inicial de aquisição da leitura; memorizações de seu endereço, alfabeto, tabuada; dificuldades para amarrar os sapatos; disgrafia (letra feia); escrever fora das linhas, com espaçamento irregular entre as palavras, separação inadequada de sílabas, trocas de letras, dificuldades na distinção de semelhanças e diferenças de fonemas, soletração e rima de palavras ... porém, têm, em geral, significativos potenciais em nível artístico, atlético, e são muito intuitivos e criativos para solucionar problemas (todas estas áreas são controladas pelo hemisfério cerebral direito).
O diagnóstico é essencialmente clínico, e quanto mais precocemente melhor é o prognóstico. Pode haver variação de intensidade, desde casos leves até graves.
O tratamento não é com medicamentos, e sim envolve o atendimento por equipe multiprofissional, especialmente psicopedagógico e fonoaudiológico, além de uma boa avaliação e acompanhamento psicológico das complicações emocionais advindas (constrangimento, vergonha, baixa autoestima...), e de uma adequação escolar, especialmente nas formas de avaliar este aluno.
Embora a dislexia seja crônica, prolongada, os indivíduos que são adequadamente acompanhados com frequência respondem bem com o tempo, e o prognóstico pode ser bem bom.
José Renato Donadussi Pádua, médico neuropediatra