Diário de uma ex-fumante

Medicina & Saúde - coluna semanal de Sueli Gehlen Frosi

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Nasceu Vicente, nosso netinho. Ele é o terceiro, depois de Cecília e de Théo. Como das outras vezes, o fato de ser avó causou-me uma emoção capaz de me fazer passar o dia todo com lágrimas nos olhos. Não economizei nenhum sentimento que apareceu junto com o nosso bebê. Quando fico assim, valho-me dos livros para dar uma equilibrada.

Fui procurar um texto de que gosto muito, que fala sobre a relação dos velhos com as crianças. Trata-se de Elogio da Loucura de Erasmo de Rotterdam, escrito em 1523. No livro quem fala é a loucura e ela fala assim: “...os velhos apreciam muito a companhia das crianças, e as crianças a companhia dos velhos; pois os deuses gostam de unir os semelhantes. De fato, se excetuarmos as rugas e o número de anos, próprios da velhice, há dois seres que se assemelhem mais que o velho e a criança? Ambos têm cabelos escassos, uma boca sem dentes, um corpo raquítico, gostam de leite, gaguejam, tagarelam; a tolice, o esquecimento, a indiscrição, tudo contribui para formar entre essas duas criaturas uma semelhança perfeita.”

Tirando a falta de dentes e o corpo raquítico, entendo o que a loucura quer dizer. É no exercício da velhice que aprendo a ser velha e melhor se em companhia de crianças. O que seria de mim se tivesse que pensar o dia todo sobre a seriedade da vida? Como seria a minha vida se não ficasse horas ouvindo os bebês falando errado, repetindo e repetindo o que eles falam, mesmo sem saber o que querem dizer? Definitivamente, a convivência com as crianças permite que a gente esqueça a proximidade da morte e isso Erasmo enfatiza no livro de forma hilariante. Acredito que a leveza deve acompanhar-nos quando somos avós.

Uma coisa deveria ser garantida aos avós e ser afixada nas paredes, como no aviso de não fumar: “É proibido chamar a atenção dos bebês quando falam errado. Só é permitido corrigi-los quando tiverem cinco anos.”

Bom, resgatado o trecho do livro que tanto amo, preciso resgatar também a lembrança de que posso ficar horas e horas com Vicente no colo; de que a minha roupa sempre estará em condições de pegar um bebezinho; de que não preciso mais carregar chicletes na bolsa, afinal, eu agora não fumo mais. Dei-me conta agora de que passo dias sem lembrar de que o cigarro existe. Sou uma avó louca, mas muito cheirosa!

 

 

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