E quando as coisas não vão tão bem?

Crianças, adolescentes e as patologias psíquicas

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Por Fabíola Giacomini De Carli*

“Espera só começar a caminhar!” dizem os mais experientes na arte de criar filhos, precavendo os pais iniciantes de que esse período inicial dá muito trabalho. Quando uma criança começa a se locomover por conta própria na casa, é natural que queira vasculhar e conhecer palmo a palmo todos os espaços. Que queira sentir e experimentar tudo desse mundo que passa a conhecer. Não satisfeita em abrir as portas dos móveis, quer pegar os objetos, tirando tudo do lugar (o que nós adultos significamos como bagunçar). E é claro que aquilo que mais lhe interessar, vai querer repetir incansavelmente.

Pode se interessar pelos utensílios da cozinha. Abre gavetas e portas dos armários, tirando panelas para levá-las a outros ambientes da casa; mexe nos talheres, coloca brinquedos nas gavetas; abre a tampa do vaso sanitário, pois quer brincar com água... Se já era trabalhoso antes, agora, numa posição de interação mais ativa da criança com o ambiente e com as pessoas, isso se intensifica muitíssimo.

E o adulto? Precisa investir com paciência e firmeza sua cria, mas sua reação pode variar muito, desde uma tolerância que beira a permissividade, sentimentos de irritação, impaciência, chegando a ações de imposição autoritária. Pode enfurecer-se ou evadir-se; exausto, pode desistir. As saídas podem ser as mais diversas, cada qual produzindo seus efeitos. Estamos no terreno dos limites, da alteridade, e das conseqüências na estruturação do psiquismo infantil.

Retratei o momento em que um adulto começa a se enfrentar mais ativamente com o problema de dar limites a uma criança para fazer pensar na força que isso pode adquirir não só sobre a construção da subjetividade, mas também na estruturação psíquica. Assim penso ser possível abrir perspectivas de compreensão que enriqueçam nossa forma de pensar quando as coisas não vão tão bem com a criança ou com o adolescente: quando começam apresentar algum tipo de sofrimento ou patologia psíquica.

Nesse exemplo, é possível visualizar a força que a relação inter-humana tem na construção tanto da saúde quanto da doença psíquica, e que muitas vezes acaba ficando em segundo plano no trato das psicopatologias na infância e adolescência.

Gostaria de dividir com o leitor uma preocupação nessa questão que compartilho com muitos profissionais de nossa área quanto a seguinte tendência dos tempos atuais: a grande variedade de diagnósticos psicopatológicos e também de terapêuticas que, no mínimo, simplificam por demais suas causas, aquilo que determina o sofrimento. O diagnóstico precoce e preciso salva vidas. É fundamental fazê-lo. O problema é: como diagnosticar uma patologia psíquica sem levar em conta toda a complexidade humana envolvida, avaliando apenas os sintomas apresentados? Como fazê-lo sem estabelecer essa proximidade inter-humana, que, como vimos, têm potência para desenvolver um sujeito? Escutar atentamente o que o sujeito diz, analisar atentamente suas produções e sua história são elementos que dão sustento a uma formulação diagnóstica que não se reduza a um rótulo, mas requer ser construído com contato e tempo. Ouvir uma criança dizer “é que eu sou bipolar”, no mínimo, preocupa. Principalmente pelo fato de que na infância e adolescência, os diagnósticos devem ser escritos a lápis.

A tendência a medicalizar sintomas psíquicos, que se vê como primeira escolha para muitos tratamentos daquilo que se convencionou chamar Transtorno do Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade (TDAH), bem como terapêuticas focadas apenas em condutas e performances, são um exemplo dessa tendência atual que busca regular condutas, calando os sintomas. E de preferência, com rapidez. Perspectiva reducionista que tende a não levar em conta a história do sujeito, os fatores desencadeantes, nem o que subjaz ao sintoma. Assim, não se produz modificação alguma nas motivações que sustentam o sintoma, nem mesmo o entendimento sobre por que se construiu dessa forma.

Nessa perspectiva, vão se obturando as possibilidades de pensar e de se perguntar a respeito do que se passa profundamente consigo, e de criar um espaço de troca onde esse sofrimento possa ser revelado e elaborado, resultando num modo empobrecido e restrito de pensar a si e ao outro. Essa é a forma como que nossa cultura vem lidando com o sofrimento psíquico das crianças e adolescentes: pensar a si e aos outros está caindo em desuso. O problema é que ir contra essa corrente facilitada de fazer as coisas poderá dar muito trabalho. A modificação interna tem um custo. Quantos de nós estamos dispostos a arcar?

* Fabíola Giacomini De Carli é psicóloga/psicanalista

PROJETO – Assoc. Científica de Psicanálise

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