Fabrício Carpinejar deixou-me profundamente comovida com sua crônica de domingo em ZH. Revivi os anos de convivência íntima com meus pais, pelo fato de terem morado conosco até a morte. O assunto que ele levanta é das coisas mais delicadas que conheço.
Recém passamos pelo Dia da Criança e isso comove também. Somos pessoas que cuidam das duas pontas vulneráveis da trajetória humana: os velhos e as crianças. Não imagino algo mais importante de se fazer.
Fizemos isso ao mesmo tempo lá em casa. Nossas crianças conviveram estreitamente com os avós, viram-nos participar da nossa grande mesa, viram o processo de envelhecimento acontecer devagar, mas de forma inexorável. Já nossos velhos alegraram-se com os nascimentos, os choros, as traquinagens, os progressos e, garanto, tudo aconteceu como devia, exceto o sofrimento que acompanhou minha mãe durante anos.
É preciso coragem para viver de verdade, por que viver de verdade traz um monte de responsabilidades. Esta contingência não aceita desculpas e não perdoa omissões. A vida cobra cedo ou tarde e devolve tudo com generosidade. É difícil conseguir ser feliz sem cumprir o que nos cabe.
Para que consigamos dar conta de tanta coisa, contamos com a tecnologia, que fornece fraldas maravilhosas, escolas bem equipadas e dentro delas as cuidadoras e professoras fazem tudo para o conforto e o desenvolvimento das nossas crianças. Contamos também com fraldas geriátricas e instituições modelo e dentro delas, cuidadores especializados em proporcionar bem estar aos idosos. As fraldas são itens importantes, no começo e no fim, no geral.
Levar nossas crianças a frequentar escolinhas é um imperativo hoje em dia, dado a ausência dos pais o dia inteiro. Levar nossos velhos a morar em lares para idosos pode parecer crueldade, mas não é. Crueldade é não dar as condições necessárias para o cuidado adequado.
As escolas não são depósitos de crianças, nem as casas para idosos são depósitos de velhos. Necessitar de socorro não pressupõe abandono nem desinteresse. Abandono é pensar que estranhos podem tomar nosso lugar.
Nós somos insubstituíveis, por que carregamos conosco todo o potencial de cuidado amoroso de que os nossos pais e filhos necessitam. Precisar de ajuda não é falta de amor. E falar sobre isso é necessário.