“(...) o fato da criança não ter tido lazer suficiente para desenvolver uma vida interior rica é o que faz com que ela pressione os pais para obter diversão, ou que ligue a TV. Não é que o mau investimento dessa diversão produzida em massa ponha fora de circulação o bom investimento da riqueza interior; é que, à criança, não foi dada a oportunidade de criar sua própria moeda de uma vida interior rica.” Bruno Bettelheim
Pus-me a pensar em como uma criança cria sua própria moeda de vida interior rica, enquanto observo as crianças com quem entro em contato. Convivo com meu netinho de dois anos e percebo seu desenvolvimento enquanto brincamos, conversamos, rimos, corremos e vemos TV. Os avós e os pais de crianças pequenas sabem o que representa o Discovery Kids na vida delas. É um canal que causa impacto.
Moramos em um lugar onde o inverno é muito rigoroso, o que dificulta o acesso às brincadeiras ao ar livre em boa parte do ano. Estou convicta de que muitos cuidadores de crianças usam a TV para entretê-las. As crianças Discovery Kids têm um linguajar muito parecido. Tratam todo mundo por você e não por tu, como seria o esperado por aqui, conhecem os números, as letras e as figuras geométricas desde bebês.
Enquanto assisto a programação, procuro por alguma sacanagem, alguma puxada de tapete por parte dos personagens, e nada. Tudo é correto, pacífico, bonito. Fico surpresa com o fato de que eu até acharia normal que coisas ruins acontecessem. Sou fruto de TV aberta, feita de forma a idiotizar quem a assiste e fiquei assim, meio idiota também. Somos sequelados, cuidando de crianças superinformadas, que precisam de nós para que consigam ter uma vida interior rica.
Meu netinho brinca muito, fala muito, desenha, canta, toca vários “instrumentos” e se comunica de uma forma encantadora e articulada. Quando calha de o tempo estar bom, ele brinca lá fora, onde corre, chuta e faz todas aquelas coisas que deixam os joelhos lascados. Mas é quando ele volta para casa, toma banho, almoça ou janta que a vida interior torna-se rica ou não. Depende de quanto se conversa com ele, do colo, dos beijos e abraços com que ele pode contar. A riqueza interior depende também de haver alguém que leia para ele.
Crianças sabem brincar mesmo que não tenham brinquedos cabendo a nós estar por perto, ajudando-as a ler o mundo. Ler para crianças não significa somente ler livros, mas acompanhá-las na sua curiosidade, oferecendo-nos como veículo de felicidade, de alegria, de aprendizagem.
Meu netinho ao nos visitar encontrou uma menininha na frente do elevador e ela reparou na camiseta que ele estava usando e falou: - Bob Esponja! E ele imediatamente olhou para a camiseta dela e disse: - My little pony! Dá para deduzir que duas crianças de dois anos, mesmo com todos os cuidados e recursos de que dispomos, já estão sendo devoradas por um mundo que massifica.
Ter uma vida interior rica é algo que dá trabalho e não estou falando sobre o nosso trabalho, mas ao trabalho que as crianças estão realizando para crescerem com saúde em todos os sentidos. Contando com nós!
