As minhas contemporâneas hão de lembrar-se de como nós caminhávamos quando jovens! Todos os dias eram puxados. Nós morávamos no boqueirão e eu trabalhava no centro ou até mais longe. Só quando fui trabalhar no bairro São Cristóvão, é que eu pegava uma Kombi no centro. Mas voltava ao meio-dia, caminhava até em casa, voltava após o almoço, pegava a Kombi de novo e de novo na volta.
Mesmo com essa rotina, era natural que estudássemos à noite, então, engolir alguma coisa à tarde e ir ao colégio caminhando, não era sequer questionado. Tudo isso era muito cansativo, portanto, sermos magras e fortes era imperativo. E como éramos magras e fortes!
Nós conseguíamos nos deslocar pela cidade em cima de saltos altos, sim senhor, sim senhora! No mínimo de salto brotinho. Não creio que os sapatos da minha juventude tivessem a qualidade dos de agora, por que causavam bolhas e, se caminhássemos muito, a “alma” do sapato quebrava. Sim, nossos sapatos tinha alma, ou não teríamos conseguido aguentar. Brincadeira!
Nos finais de semana havia os bailes, o cinema, a reunião dançante e boliche. As boates com luz negra só frequentávamos após os dezoito. Os bailes a gente adorava, para onde íamos a pé, lógico. Ouvíamos o farfalhar dos nossos vestidos e o toc, toc dos saltos todos os finais de semana. Na volta pra casa de madrugada, não nos ocorria a possibilidade de enfrentarmos algum perigo. Devia haver perigos, mas não os conhecíamos. A cidade era nossa!
A praça Marechal Floriano, a Catedral e os cinemas foram o cenário dos nossos domingos. Desde manhã nosso domingo era movimentado. Missa, compra de casquinhas na saída da igreja e, em casa, um almoço muito bem elaborado. Afinal, era domingo! Era no domingo que a gente comia doces. Na sobremesa e, esporadicamente, meu pai nos levava à sorveteria, onde sentávamos e nos serviam uma taça de metal com um sorvete absolutamente delicioso. Não consigo esquecer aquela dorzinha de cabeça por causa das primeiras colheradas geladas. Ah! Bar Oriente!
Isto que estou escrevendo, deve-se ao fato de que, breve, teremos que nos locomover a pé de novo. A constatação está na super ocupação dos nossos espaços públicos, principalmente por carros, coisa que está sendo difícil de suportar. Discutem-se alternativas, mas, a curto prazo, não há solução à vista. Uma das coisas legais que podemos usar como alternativa é andar a pé. Talvez também de bicicleta.
Quem sabe seremos magras e fortes como fomos, ou como são as francesas, por exemplo. Nós sabemos caminhar de tênis, exaustivamente, em cima de esteiras, em avenidas poluídas na tentativa de conseguir condicionamento físico. Nós sabemos contar calorias, obsessivamente, na tentativa de evitar alimentos considerados vilões do peso ideal. Sabemos também que, caso não tomemos providências, seremos um povo gordo e perigosamente vulnerável.
Desaprendemos a usar nossas ferramentas biológicas para praticarmos o nosso direito primeiro, que é o de ir e vir. Com as próprias pernas...