“... do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo.” Diderot
O desenvolvimento humano é uma conquista construída coletivamente durante séculos. Orgulhamo-nos do nosso avanço civilizatório, mesmo que detectemos algumas rupturas de tempos em tempos. Essas rupturas fazem-nos descrentes de que sejamos capazes de conviver pacificamente por longos períodos.
O clima de histeria coletiva e a sede de justiça a qualquer preço são alguns fatores que colocam em risco os valores éticos de um povo. Quando uma grande parcela da população aprova atos de grupos justiceiros, estamos presenciando um retrocesso enorme na dignidade da condição humana.
A humanidade já se divertiu à larga com cenas de pessoas sendo oferecidas em sacrifício para aplacar a ira dos deuses, vendo a justiça executar criminosos em praça pública, onde a pena de morte era sinônimo de espetáculo. O lado macabro da justiça contava com requintes de crueldade na forma de esquartejamentos, enforcamentos e tantas outras práticas cruéis. Com o tempo esses espetáculos públicos foram enclausurados dentro das instituições, em lugares fechados, por que a humanidade não suportou mais as cenas de violência explicita, aos olhos de todos.
O que assistimos é a banalização pura e simples da violência primária do olho por olho, dente por dente, em detrimento da racionalidade e da conquista árdua pelos direitos humanos. Os justiceiros são tão ou mais criminosos do que os que eles torturam. Podemos duvidar de que o justiciado seja criminoso de verdade, mas não podemos duvidar de que os executores sejam criminosos.
É chocante saber que existem grupos justiceiros, capazes de amarrar alguém a um poste, com o intuito de torturá-lo. São grupos fanáticos que praticam o justiciamento a revelia do Estado, por acreditarem não ser mais capaz de dar conta das nossas mazelas sociais. São organizações que se consideram capazes de detectar “o mal”, julgá-lo e executar o autor ou os autores, movidos pelo impulso cego de que podem e devem fazer justiça, mesmo que pelas próprias mãos. Estes grupos representam o estado bruto, bárbaro que já deveria estar banido, por ter um substituto que é o Estado Democrático de Direito. A justiça é antes de qualquer resultado calculável ou de cronologia, um direito da vítima à palavra. Mas como a vítima fala nestas circunstâncias.
Dá para compreender o estado de vulnerabilidade de que somos tomados todos os dias. Dá para avaliar o desespero de quem sofre violações em sua integridade física e moral. Reconhecemos a fragilidade das instituições que não conseguem defender os direitos mais elementares da cidadania.
Ao invés de sujarmos nossas mãos de sangue, devemos exigir mudanças estruturais na educação, na saúde, na segurança pública e que os poderes constituídos cumpram seu papel de representantes da sociedade, defendendo os interesses do povo e não os seus.