Que atire a primeira pedra quem nunca gastou o salário comprando cremes que prometem milagres ou se arriscou em dietas malucas que garante perda de peso instantânea. Nossa busca pelo corpo perfeito muitas vezes ultrapassa os limites do sensato, mas como nos libertamos de uma imagem que nos é vendida diariamente em revistas, jornais, programas de TV? Como nós, mulheres, chegamos a esse ponto depois de tudo que conquistamos no último século? É a isso que a psicóloga Rachel Moreno se propõe a responder.
Rachel é formada pela Universidade de São Paulo, especialista em sexualidade humana, pesquisadora e fundadora do Observatório da Mulher e reúne mais de 30 anos em pesquisa e militância nas questões de gênero. Rachel também é autora dos livros “A Imagem da Mulher na Mídia – Controle Social Comparado” e “A Beleza Impossível – Mulher, Mídia e Consumo”. É justamente sobre o segundo livro que a autora vai falar no evento Mulheres 2014, organizado pelo jornal O Nacional e pela Empresa Eliane Beschorner de Souza e Cia. Lmta. que acontece na próxima quinta-feira no Clube Comercial e chega a sua sétima edição. Rachel vai debater a beleza inalcançável, o ideal que não existe nem mesmo para as modelos em que nos inspiramos tanto e dar dicas de como podemos nos livrar dessa prisão. E como hoje é o Dia Internacional da Mulher, o caderno Mix antecipou um pouco o tema da palestra e conversou com a Rachel sobre beleza, comportamento, imagem e diversidade.
Mix - As mulheres sempre lutaram muito por seus direitos, principalmente no passado, mas hoje, elas se deixam escravizar na busca por um modelo ideal, de corpo e comportamento. Como você acha que isso aconteceu?
Rachel Moreno - A gente acabou sendo um pouco vítima de um processo maior do que nós que envolve a nossa imagem na publicidade, nos meios de comunicação e que acaba sendo espalhada em vários mecanismos que fazem com que essa imagem atinja a gente desde pequenininhas. Por exemplo, antigamente, menina que brincava de boneca tinha um treino de maternagem, ela brincava de mamãe e filhinha. Hoje, ela brinca com a Barbie, que não é mais a bebê, é a beleza idealizada que ela introjeta dentro de si. É assim que ela quer ser quando crescer. O bombardeio é tão intenso, tão espalhado, que, na verdade a gente acaba meio que sendo vítima disso e introjetando essa imagem como sendo uma imagem idealizada com a qual a gente quer se parecer assim que possível e que tem provocado complicações terríveis. Por exemplo, em primeiro lugar, como se diz que ou você é bonita ou não vai ser feliz nunca, a gente se olha no espelho e aquela imagem é muito distante da diversidade da mulher brasileira. Porque a mulher brasileira é linda justamente pela mistura de raças, etnias, e em função disso a gente tem o quadril mais largo, o seio menor do que a americana, a gente é mais morena do que loira e, na verdade, o padrão de beleza que eles nos apresentam não tem nada a ver com essa diversidade e depois, é inalcançável, é autoritária. Então, nossa autoestima acaba rebaixada, as mulheres correm atrás disso – não é a toa que a indústria de cosméticos e cirurgias plásticas está muito bem financeiramente – e não conseguem nunca alcançar esse padrão de beleza porque ele é realmente impossível.
Mix - Como você analisa a imagem da mulher nos meios de comunicação do Brasil?
Rachel- Eu acho que eles tendem a reproduzir exatamente essa imagem, quer dizer, quando eu falo da beleza idealizada. É claro que ela é mais acentuada na publicidade, mas se você olhar as apresentadoras, as mulheres que aparecem nos programas de um modo geral, você continua percebendo isso. Por exemplo, no Jornal Nacional: se você tem um casal apresentando o Jornal, que é um espaço chamado sério, você tem um homem, que começa a ter alguns fios de cabelo branco, que é absolutamente charmoso, essa mecha se espalha, mas tudo bem, isso lhe confere sabedoria, mas se a mulher ao lado dele tiver um fiozinho de cabelo branco, ela que se cuide, que tinja rapidamente, porque não pode nunca parecer um pouco mais velha e o charme, a experiência que a mecha branca confere aos homens, ela absolutamente não confere a mesma coisa para as mulheres. Ela acaba, na verdade, sendo substituída por outra mais jovem do que ela. E se você vê a representação das mulheres na mídia e a representação das mulheres, em termo de diversidade, na sociedade, a gente, na mídia, só tem mulheres jovens, brancas, a gente não a mesma representatividade de mulheres negras, índias, mais velhas. Essa diversidade não está refletida na mídia.
Mix - Somos ainda muito influenciadas pela mídia e pelo consumo?
Rachel - A gente é influencia sim, porque elas nos bombardeiam o tempo todo, todos os dias. Algumas pessoas conseguem, de alguma forma, ter certo senso crítico em relação a isso e a importância de mostrar a diversidade é grande. Por exemplo, no filme O diabo veste Prada, aquela mulher fantástica, maravilhosa com cabelo branco que faz o papel principal, depois que passou o filme, parece que muitas mulheres executivas tiveram a coragem de não tingir o seu cabelo, ou seja, não precisa dizer faça isso ou faça aquilo, é só ter imagens diversas para que cada uma possa escolher aquela que mais interessa, que mais se aproxima daquilo que ela gosta e é isso que a gente está pedindo, diversidade.
Mix - Que consequências essa busca pelo perfeito nos traz?
Rachel - Traz, porque na medida em que a gente não consegue alcançar esse chamado perfeito a gente tem a autoestima rebaixada. Aliás, tem uma pesquisa internacional que compara a posição das mulheres dentro desse universo de beleza em dez países, entre eles o Brasil, e aqui é onde as mulheres estão mais insatisfeitas com a própria imagem e mais dispostas a sacrifícios para poder chegar mais perto dessa imagem. Outro início que eu acho que é preocupante é que no último ano, triplicou q quantidade de adolescentes que fizeram cirurgias estéticas para poder chegar mais perto desse padrão de beleza. E nós temos agora, no século XXI, uma série de doenças que antes não existiam, como bulimia, anorexia, que são as novas doenças e que remetem, de novo, a essa questão de beleza. Eu sei que é preocupante porque, por exemplo, na Inglaterra, quando o governo resolveu medir o impacto que essas doenças novas provocava na demanda da rede de saúde pública, ele resolveu pedir ao fabricante de Barbies que fizesse uma Barbie com uma cintura mais larga, porque lá dentro não cabe estômago, intestino, etc. Aqui nós não chegamos a esse ponto ainda em termos de demanda de uma modificação, mas o problema existe, a nossa indústria passou de terceiro para segundo lugar mundial para o segundo maior mercado de beleza, que só é superada pela indústria de cosméticos da China, onde nós temos uma população muito mais numerosa do que aqui.
Mix - Que imagem nós estamos passando para as próximas gerações?
Rachel - Nós estamos passando uma imagem ruim sim, a ponto de, por exemplo, quando você tem uma menininha dançando e rebolando de um jeito bonitinho como se fosse uma mulher destaque de uma escola de samba, papai e mamãe acham isso bonito e estimulam como se isso fosse adequado à idade das crianças. Obviamente não é. É muito mais adequado saber dançar no pé do que saber rebolar e ser sedutora quando você tem 6 ou 10 anos. Acontece que isso não é maldade nem má fé por parte dos pais, isso é, na verdade, a percepção de que saber desempenhar esse papel com maestria garante sucesso para sua filha e pai e mãe querem que os filhos tenham sucesso, porque eles também acabaram comprando essa ideia de que é preciso ter um corpo fantástico, saber usá-lo com muita maestria porque é mais uma arma que garante que as mulheres possam ser bem sucedidas na vida e isso é muito complicado.
Agora eu quero falar mal dos homens. Posso? Mentira, mas eu quero dizer que os homens estão entrando nesse caminho também. Eu acho que eles percebendo que as mulheres estavam começando a acontecer em todos os espaços – no trabalho, na rua, inclusive nas chefias – e que não dá pra ignorar a presença delas, elas estão sempre coloridas, sempre perfumadas, enquanto eles estão sempre com a mesma roupa, com terno, camisa e aí eles começaram a se preocupar com a própria aparência. Aí começa academia, tingimento de cabelo, creme contra as rugas, cirurgia plástica. Hoje, o segmento masculino representa 30% do consumo do mercado de cosméticos e é o segmento mais promissor, que está crescendo mais rapidamente, ou seja, eles estão entrando na mesma ditadura da aparência que nós, pensando que eles estão crescendo mais rapidamente na vida. Mas quem sabe a gente dê as mãos e saia junto dessa vida dura.
Mix - De que forma podemos mudar e romper com toda essa ditadura?
Rachel - Olha, eu acho que mais do que receita, vamos às pesquisas. As pesquisas dizem que inclusive as modelos estão insatisfeitas com a própria aparência - elas, que são modelos para nós, sempre acham que sobra ou falta alguma coisa em alguma parte do corpo – e que as mulheres mais satisfeitas com a própria aparência são aquelas que se sentem realizadas em algum aspecto da sua vida, quer seja a vida afetiva, familiar ou profissional, ou seja, quando a gente está bem em algum pedaço importante da nossa vida, a gente está bem consigo mesmo e a gente se aceita como é e não tem nada mais bonito do que uma mulher tranquila com relação a si mesma porque isso sim que é bonito, essa tranquilidade e essa diversidade. Você já imaginou se todo mundo fosse igualzinho à Barbie? Que monótono que seria. Então, viva a diversidade, viva a tranquilidade, viva a satisfação com os aspectos importantes da vida da gente.
Serviço:
Mulheres 2014
Data: 13/03/2014
Hora: 19h30minh
Local: Clube Comercial – Salão Cristal
Valor: R$ 90,00 – ingressos limitados, à venda na Petit Tine, Carmen Steffens, Patrimônio Imóveis e Kauai