Paradoxos

Coluna de Sueli Gehlen Frosi

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· 2 min de leitura
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O comportamento coletivo e o comportamento individual têm algumas coincidências. Na condição de filhos nossos pais foram fonte de segurança e cuidado de que necessitamos quando pequenos. Esses pais foram alvo da nossa rebeldia quando adolescentes. A maioria de nós foi introduzida sem chance de escolha no seio de uma religião, com o intuito de que ela cuidasse da nossa alma, dos dualismos maniqueístas corpo e alma, bem e mal.

Analisando a cena atual, quando, parece, experimentamos uma adolescência coletiva, vivemos alguns paradoxos. A exemplo de dinastias como dos Roosevelt e dos Kennedy nos EUA, perpetuamos a família Sarney no poder. Há poucos dias, soubemos que a família ainda não decidiu quem deles será senador ou senadora. Por outro lado, estamos preocupados com a perpetuação de um partido no exercício executivo, que faz as políticas nos últimos anos.

Nos dois âmbitos, no individual e no coletivo, procuramos a segurança tão necessária para que nos sintamos amparados. Segundo Freud, a religião nos dá o amparo da mãe e o estado o amparo do pai. Isso remete aos sentimentos gerados nas manifestações de junho. Saímos às ruas por puro sentimento de desamparo, afinal, não nos sentimos contemplados por políticas públicas, nossos políticos nos foram mostrados maciçamente como autores de esquemas de corrupção, e as religiões já não são maternais como antigamente. As entranhas das religiões foram expostas, escancarando situações criminosas e abusivas. Nosso pai e nossa mãe estavam e continuam na berlinda. Sentimo-nos órfãos!

Completamos cinquenta anos da revolução de 1964, quando houve o golpe militar que destituiu o presidente João Goulart e instalou um regime de exceção. Esse regime está sendo chamado de volta por uma grande parcela da população. Nas redes sociais o povo grita sua necessidade de amparo, de segurança, de cuidado.

Quando encontramos uma figura emblemática que contempla a figura paterna, a exemplo do Ministro Joaquim Barbosa, tendemos a alçá-lo a uma situação de poder, mesmo que não haja um projeto político que o acompanhe. Quando desejamos ver pessoas fardadas nos governando, emerge a nossa necessidade de segurança. Queremos alguém ou algum grupo que diga o que precisamos, faça o que seja necessário, diga o que queremos ouvir.

Necessário se faz que nos tornemos adultos, ao invés de eternas crianças e adolescentes, carentes de que alguma autoridade supra nossas necessidades. O sentimento coletivo que deseja um estado ditatorial põe à mostra a nossa imaturidade política e a cegueira desejada por “interésses”, como diria Brizola, com o fito de nos manter dependentes.

O “cavalo encilhado” está passando e devemos pegar suas rédeas e não outorgá-las a entidades conhecidas por seu autoritarismo e truculência. Espero que não tenhamos saudade das mortes de inocentes, da tortura praticada em porões imundos, mas que tenhamos vontade de pensar maduramente, de estudar seriamente e de votar levando em conta a democracia, que sempre será melhor do que a ditadura seja ela de direita ou de esquerda.

Devemos nos acostumar à fase adulta da nossa democracia, não permitindo mais que se faça o que se quer; que se roube na nossa cara; que deixem pessoas morrer em tabas modernas feitas de plástico preto; que trabalhadores sejam desalojados por conta da inoperância dos operadores das políticas de demarcação de terras; que se subestime a inteligência das nossas crianças e adolescentes, frequentadoras de um sistema educacional falido e arcaico; que a cidadania seja ultrajada e privada dos seus direitos fundamentais.

Temos que tomar as rédeas do nosso país, participando das decisões de forma efetiva. Nosso voto sem engajamento vale quase nada.

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