Menina ou zumbi

Medicina & Saúde - coluna semanal de Sueli Gehlen Frosi

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· 2 min de leitura
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À tardinha, andando por perto da rodoviária vi uma menina. Ela tinha por volta de treze, quatorze anos. Seu passo era incerto, seu aspecto desleixado.

                Detive-me em observá-la não sem sentir um mal estar. A invasão da vida dela era algo que me incomodou, quando me pus a observar o embalo do seu corpo, a roupa mal vestida, sem ser de má qualidade. A atitude dela me chocou!

                Ela caminhava com passo incerto, o short vinha meio caído sobre as cadeiras. As pernas executavam uma caminhada meio bamboleante. A camiseta vinha normal. Mas, os pés ela tinha sujos, maltratados. Eles atingiam as incertezas do calçamento com força. A menina, parecia, impunha a si mesma um castigo.

                Observando melhor, a ideia de castigo não se sustentava, por que ela estava alheia. Pouco lhe importava o que acontecia com seu corpo. Balançava os braços de forma estranha. O braço esquerdo alcançava uma altura que o braço direito não acompanhava, enquanto caminhava.

                Cheguei perto e olhei para ela. Minha estranheza tomou corpo, quando vi seu olhar. Ele não tinha alma.

                Lembrei-me do filme que vi esta semana, no Teatro do SESC, Ambulatório de Falsas Crenças, do psiquiatra Salton. Ele nos convida a fechar os olhos e, a exemplo de quando estamos dormindo, ou em coma, ou com mal de Alzheimer, não temos consciência do lugar em que estamos. Uma vez abertos os olhos, olhamos o ambiente e nos sentimos dentro dele, parte dele. Quando não conseguimos nos sentir fazendo parte do contexto, nosso cérebro está parcialmente morto.

                Compreendi o drama da menina. Ela é jovem e bonita. Vive em uma cidade que conta com muitos serviços sociais, uma enorme universidade, algumas faculdades, muitos profissionais da saúde, que compõem um sistema regional invejável para o resto do país. E ela apresenta esse olhar de quem percebe seu ambiente, mas não se percebe nele.

                O que estava acontecendo com a menina eu não sei, mas alguém de tenra idade, perambular pela periferia de uma rodoviária, sem rumo, sem saber pra onde vai, está mostrando o grau de vulnerabilidade por que passam algumas pessoas. Fiquei muito chocada!

                O mundo é feito de uma maioria anônima, que trabalha de forma insana para sustentar as estruturas que formam as cidades. E ele é formado por uma minoria, que tem o dever de fazer políticas que tenham o poder de cuidar dos cidadãos. A maioria contribui de forma pesada para que seus iguais não sofram as sequelas de uma sociedade injusta.

                Concluí, após meu ataque de voyerismo, que essa menina está sendo negligenciada de forma flagrante. Alguém não cuidou dela desde sempre. Seu desamparo retrata o que nós, adultos, não fazemos pelas nossas crianças e adolescentes.

                Concluí também, que essa menina está meio morta e que sua recuperação é muito mais difícil e cara do que se tivesse sido cuidada desde que estava dentro da barriga da mãe.

                Os índices de delinquência e de vulnerabilidade têm razão de ser! E isso é muito doloroso!

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